Pular para o conteúdo principal

Destaques

DEMONOLOGIA na visão dos ciganos

 DEMONOLOGIA na visão dos ciganos  Vamos abordar um assunto que até então estávamos deixando de fora, porque pensávamos que outros já o estudaram quase à exaustão. Porém, ao lermos estes tópicos no livro de Jean-Paul Clébert, in The Gypsies , constatamos que o tema citado era abordado antes, por outros, fracamente, superficialmente; decidimos por aqui, não nossa opinião, mas a de Clébert, porque ele é muito bom autor e deve ser considerado entre os melhores, em ciganologia. Ele, humildemente, pede licença, à página 145, para transcrever outro autor. Dr. Maxim Bing e nós fazemos o mesmo, portanto, o que se segue não é de nossa lavra, mas dos ciganólogos citados. Os erros e omissões ficam debitados a nossa dificuldade em traduzir castiçamente, para o português, a língua inglesa. Aos que quiserem conferir é só comprar o livro The Gypsies de Jean-Paul Clébert, Vista Books, London, 1973 e ler os títulos pertinentes. DEMONOLOGY (p. 145-147) Em tempos distantes, muito distantes, os ...

A Pensão da Dona Assunta – Viagem ao passado

 A Pensão da Dona Assunta – Viagem ao passado

Geraldo Veríssimo Cunha Filho (Geraldinho)

Asséde Paiva Oliveira



ERA EM 1953


1

Vou contar uma história,

Que juro ser verdadeira.

Podia ser sua ou minha

Ou da família inteira,

Pois na terra onde nasci,

Sobrevivi e cresci,

Sofri de toda maneira.

2

Sentem-se neste banquinho,

Ao lado de algum amigo

E cessem toda conversa

Ou sumam pra um abrigo.

Vou começar a falar,

Para, sem pausa contar

O que se passou comigo.

3

A começar do começo,

Eu vim de Minas Gerais.

Sou pau-ferro muito duro

E não desisto jamais.

Muitas lembranças carrego,

Sofri horrores, não nego,

Falsos amigos de mais.

4

Tão jovem e muito triste,

Em crise existencial.

Perguntei a Deus por que

O mundo é desigual?

“Quem sou eu? O que me espera?

Neste lance, nesta esfera,

Nesta vida surreal?”

5

Estava no marco zero,

Na encruzilhada da vida.

Tinha que me decidir,

O caminho é só de ida.

Pego o touro pela unha,

Tendo Deus por testemunha,

Vencerei a luta ou lida.

6

“O que vou fazer? Ó dúvida!”

Não posso formar besteira.

Espero que meu destino

Me guie nesta banzeira.

Eu sigo à frente do vento,

Tudo expresso e comento,

Abandonei a leseira.

7

Será que minha estrela

Por nuvem é escondida?

Será porque o meu Norte,

Não brilha nesta avenida?

Vou-me embora sem olhar,

Sem saudade do lugar,

Vou sarar vida sofrida.

8

 Sou um zero à esquerda,

Sem futuro, é um horror.

O que me espera é certo

Ser um velho e um mau ator.

Eu não posso aceitar isto,

Louvarei a Jesus Cristo.

Vou mostrar o meu ardor.

9

Um caixeiro de armazém

É atividade nobre,

Mas no fim da nossa vida

Ficamos lisos, sem cobre.

O mandato é ter garra,

Ganhar no peito e na marra,

Antes que o sino dobre.

10

Dezenove, cinco, três

Exigiu-me decisão.

Eu pus a mala nas costas

Chamei o patrão, então.

Eu disse-lhe destemido

Embora em tom mui sofrido

“Aqui, não fico mais não!”

11

Olhou-me desassombrado:

“Tá tomado pelo Tal?!

Lá fora a vida é dura,

Você pode se dar mal”.

— Um homem deve ir à luta,

Ser duro com araruta,

Pus meu nome no portal.

12

É o lance da minha vida,

Quero mostrar meu valor.

Se eu ficar neste arraial,

É certo criar bolor.

Darei salto no escuro,

Mas não vou bater no muro

Voltarei, se vencedor.

13

Eu tenho motivo forte,

Que fique bem registrado:

Sua prima despachou-me

Com recado malcriado.

Essa tristeza me abate,

Me deixa nas mãos de fate,

Vou-me embora, é meu fado.

14

Chamei o amigo Dinho:

“Vou sair deste terreiro.

Pois quem nesta terra fica

É fraco, não é guerreiro.

É malhar em ferro frio,

E nadar fora do rio,

Ou forjar sem ser ferreiro.”

15

E se eu ficar nesta terra,

Caquético, sofredor.

Só no martini ou traçado,

Um pinguço trovador.

Como bicho desgarrado,

Sou pássaro avoado,

Que fim desanimador.

16

Dinho me olhou tristonho,

“Vai s’imbora camarada?

Que Deus te proteja e guie

Nesta senda emaranhada

Para lembrares de mim,

Longe, no mundo sem-fim,

Leve esta figa dourada.”

17

Eu comprei uma passagem

Para o Rio de Janeiro.

Tal seria meu destino

Num ônibus paradeiro.

“Arranjarei bom emprego

E não pedirei arrego,

Ganharei o meu dinheiro.”

18

Procurei primeiro pouso,

Um lugar para eu ficar.

E depois bom restaurante

Para poder alimentar.

O que eu tive foi sobrosso,

Como o frango era insosso,

Engoli sem mastigar.

19

Li o nome Hotel Éden

Escrito em um letreiro.

O Hotel era um mafuá,

Certamente um puteiro.

Era o bordel de madama,

Com mulheres de programa

Rolando o tempo inteiro.

20

Com ajuda do porteiro,

Que ficou meu camarada,

Arranjei-me num cantinho,

Debaixo de uma escada.

Pois eu ficava acordado,

Com o corpo esfolado,

Costela quase quebrada.

21

Comia pastel de vento,

Pois ralo era o dinheiro.

Precisava de emprego,

Que seria o meu primeiro.

Desanimar no caminho

E viver sem ter um ninho,

Nunca foi o meu roteiro.

22

Fui a lojas e indústrias,

Mas só tomei canelada.

Havia sempre plaquinha:

“Não há vaga” para nada.

O forte não desanima,

Andei de baixo pra cima,

Vivi aquela escalada.

23

Desisti, fui pra São Paulo,

Em um ônibus da Cometa.

Desci na rodoviária,

Perguntei a um perneta:

“Onde que posso dormir

Sem hóspede a me ferir,

Nesta praça tão careta”?

24

Apontou-me no outro lado,

A pousada que dizia:

“Há lugar para solteiro,

Mas não traga companhia.”

Quartos de ripas manchadas,

Carunchosas, desgastadas,

Em tabique as dividia.

25

Procurei o endereço

Do meu amigo Oliveira.

Mas ele não me ajudou,

Por me faltar eira e beira

Me decepcionou tanto,

Meu amigo, um desencanto

Falhou a saga mineira.

26

Mas consegui me lembrar

Doutro antigo conhecido,

De nome Jairo Pimont,

Que falou no meu ouvido:

“Que não sejas desumano,

E vença no mano a mano,

Como homem atrevido.”

27

Fui atrás da esperança

Numa carreira danada.

Pois, quem sabe faz a hora,

Sem espera, sem asnada.

A sorte de quem procura

Está é nesta lonjura,

Aqui, será desvelada.

28

Na rua Tabatinguera,

Perguntei ao bom rapaz:

“Qual a firma, qual o bairro

Onde ele era capataz?”

— Tenha calma, fique frio.

Eu senti um calafrio,

Que me trouxe muita paz.

29

Dizem que promessa é dívida,

Estrela me premiava.

Consegui me empregar

Onde Jairo trabalhava.

Eu fichei como estoquista

E tornei-me maquinista,

Profissão que dominava.

30

Fizeram-me vendedor

Na imensa instalação.

Fabricavam bicicletas,

Naquele bairro padrão.

Da mui famosa Caloi,

Eu me tornei um herói.

Vendi “bikes” de montão.

31

Assentado em meu posto,

Bem ao lado seu Henrique,

Disse-me que o seu salário

Mal dava pro piquenique.

Ele bebia cachaça,

Só para fazer pirraça

E não perdia seu pique.

32

Henrique, muito alegre,

Gostava do carnaval.

Dizia aos subordinados:

“Eu sou um cara legal,

Gozo de muita saúde,

Sei que tenho atitude

E jamais me senti mal”.

33

Seu Henrique era meu chefe.

E matreiro solfejava,

Do carnaval a canção:

Você pensa que cachaça é água,

Cachaça não é água não,

Cachaça vem do alambique,

Água vem do ribeirão.

34

O Chefe do Pessoal

Indicou-me uma pensão.

Ficava na mesma rua,

Num vetusto casarão.

Casa velha, carcomida,

De ferrugem retorcida.

Cortiço na região.

35

Era um velho palacete,

Com baratas no desvão.

O banheiro era fedido.

Fezes na parede e chão.

Tinha que enfrentar tudo

Sentir na mão um escudo

Pra aquela situação.

36

Quase trinta pensionistas

Ocupavam o espaço.

Esbarravam uns nos outros,

Alguns saíam no braço.

Lençol da cama tão sujo,

Não servia para o cujo.

Colchão furado, um bagaço.

37

Para o frio enregelante,

Cobertor não tinha não.

Dormia com a roupa ao corpo,

Doía alma e coração.

Horrível cheiro de mofo

Exalava no cafofo,

Penetrava no pulmão.

38

Naquele armário mal feito,

Pendurei a pouca roupa.

Água também racionada,

Mal dava pra lavar boca.

Tudo era muito precário,

E o local centenário

Deixava a gentalha louca.

39

Rapaziada tragava

Gororoba todo o dia:

Arroz, feijão e batata,

Pouca carne se servia.

Bertalha mal temperada

Massa de queijo rendada,

Manteiga rançosa, havia.

40

Dona Assunta só pensava

Em fazer economia.

E se não pagassem logo,

Refeição não comeria.

Aquele que reclamasse

Levantava um impasse,

Ficava em banho-maria.

41

Assunta, de tez vermelha,

Filha de napolitano.

Ela não falava baixo

Com o patrão lusitano.

E em matéria de grana,

Ela era uma muquirana.

Cobrava dentro do plano.

42

Com seus cem quilos de pança,

Chefiava essa Pensão.

Dava ordem para todos,

Não havia reação.

Ora entrava em abulia,

Ou fazia estripulia,

Xingando sem exceção.

43

Quando tomava um engano

Desancava toda gente.

Chamava pela polícia

Para buscar o ausente.

Se encontrasse o fugido,

Se doente ou se fingido,

Com ele era inclemente.

44

E três meses se passaram,

Bem querido na empresa.

Li chamada num jornal,

Entregue na minha mesa:

“Há emprego na Orquima,”

Com salário bem acima.

Para mim foi uma beleza.

45

Por ganho salarial,

Pedi demissão na hora.

Foi uma grande besteira

Ter dali caído fora.

Foi tiro que dei no pé

Eu espirrei sem rapé.

Não devia ir embora.

46

Noutra firma no bem-bom,

Tinha ar condicionado.

Eu gostei do meu trabalho,

Chá, café selecionado.

Moça bonita atrás de mim,

Com um sorriso de a fim,

Senti-me realizado.

47

Não há bem que sempre dure,

Fui chamado à chefia.

O meu contrato vencera,

Trabalhei mês e um dia.

Foi paulada na moleira,

Que me deu uma tonteira.

Ferro quente em água fria.

48

No final de trinta dias,

Fui chamado ao Contador.

Com envelope na mão

Contendo algum valor.

Eu estava demitido,

Sem palavra, abatido

Só nas mãos do Redentor.

49

Meu mundo desmoronou,

O chão fugiu-me aos pés.

Diante da secretária,

Olhando-me de viés.

Afastei-me cabisbaixo,

Com o moral lá embaixo,

Por causa desse revés.

50

Enxotado secamente,

Nem me informaram nada.

O antigo funcionário

Retomara a jornada.

A sua licença nojo,

Já causara meu entojo.

Ela estava terminada.

51

Puxaram o meu tapete,

Aquele susto eu levei.

Eu saí estonteado,

Pelas ruas vagueei.

Porém quis a mão Divina

Fazer cumprir minha sina,

Ao meu pouso retornei.

52

Eu, com enorme tristeza,

Entrei naquela pensão.

Havia um vagabundo,

Que tinha má intenção.

Era um ladrão mequetrefe,

Mas nele dei um tabefe,

Seguindo um mata-leão.

53

Apertei com tanta força,

Que estava a desmaiar.

Eu libertei o facínora,

Que ainda a cambalear

Ameaçou-me afoito:

“Vou buscar o trinta e oito,

Retorno e vou te matar”.

54

Não havia outra saída,

Apanhei a bagulhada.

Coloquei tudo na mala,

Eu quase não tinha nada.

A janela abri, pulei,

Na noite escura, saltei,

E chispei de madrugada.

55

Quem não pode com mandinga

Não carrega patuá.

Do milho como a pipoca

Sem sobrar um piruá.

Lamentei sair assim,

Que desgraça, ai de mim!

Pra atalhar o fubá.

56

Dei “cano” na dona Assunta,

Pecado que me corrói.

Tive que fugir depressa,

Pois não sou nenhum herói.

Na hora H vacilei,

Sou valete, não sou rei.

Ao lembrar, quanto me dói...

57

Eu conheço muito bem

A lei de causa e efeito:

O que planto vou colher,

Fugir da lei não há jeito.

A messe é obrigatória,

Peso da objurgatória

Me leva a ser bom sujeito.

58

Fugi daquela pensão,

Não podia mais ficar.

Saí pra rua correndo,

Peguei o bonde ao passar.

Vi com imenso desgosto,

Tomara sentido oposto,

Tive que ir e voltar.

59

Santo Amaro a João Mendes

Paradas para dedéu.

E meu coração pulando

De meu peito quase ao céu.

Eram Moema, Ipê,

Brooklin, não sei mais o quê.  

Eu fugi sem escarcéu.

60

Apeei na João Mendes,

Perguntei a um rapaz:

Como ir à Ferrovia

Localizada no Brás.

— Eu vou para lá, decerto,

Te deixarei muito perto,

Se isso lhe satisfaz.

61

Porém, na Praça da Sé

A cigana me acercou.

“Me dá sua mão rapaz”.

Foi assim que ela falou:

“Te vejo angustiado,

Por não pagar o fiado,

Esta fuga te abalou.”

62

Eu fiquei tão assustado,

Após a Praça da Sé.

Fui à estação do trem,

Embarquei com muita fé.

Voltava pra minha terra,

Passando por uma serra,

Com juízo, dei no pé.

63

Sim, você sabe das coisas.

Ó cigana inteligente!

Esqueceu-se de dizer,

Do meu perigo iminente.

E vou seguindo adiante,

Antes que o sol levante

Pois, atrás de mim vem gente.

64

Num vagão segunda classe,

Com os bancos ocupados,

Chamou-me bela morena,

Com olhos acanelados.

Nos pomos a conversar,

E depois a namorar,

E, mais tarde, enrolados.

65

Doze horas de viagem,

As coisas se esquentando.

Começamos uns amassos,

Eu estava transpirando.

Pedi licença à morena,

Fui à plataforma amena,

Com a cabeça esfriando.

66

Passávamos numa cidade,

Por enorme pavilhão.

Íamos devagarinho

Eu tive imaginação:

“Nunca vi tamanha frente,

Vou trabalhar de servente,

Não perco essa ocasião.”

67

As luzes tremeluziam.

Eu fiquei paralisado.

Nos alvores da manhã,

Estava quase encantado.

Decidi dar o meu bote:

“Não sou, nem serei fracote”.

E do trem fui arrancado.

68

A composição partiu,

Fiquei tonto por momento,

Na plataforma, sozinho,

Hora de lavrar um tento.

Não meditei duas vezes:

“Eu já perdi muitos meses,

Acabou o meu tormento.”

69

Era a Cidade do Aço,

Que cedo me acolheu,

E me deu as boas-vindas:

“Fica aqui, ó filho meu!

Findou-se toda aventura

Acabou-se sua agrura.”

Foi o que ela prometeu.

70

Do fundo do coração,

Venci aquela batalha.

Com muita garra, sem medo,

Nunca mais comi bertalha.

E nos vaivéns desta vida,

Eu tropecei, dei corrida,

Nunca joguei a toalha.

71

E, por favor, jamais diga:

“Desta água não beberei.”

Nos desencontros da lida,

A caixeiro retornei.

Foram três meses, se tanto.

Saí, sem quebrar encanto:

Na CSN eu fichei.

72

Agora, eu vou contar

Essa última provação:

Na sapataria Clélia,

Trabalhei sem um tostão.

Vendi sapatos e chinelas

Atendendo feias e belas,

Em troca de cama e pão.

73

De arigó fui ao topo,

Laborei sem anelar.

Medalhas, diplomas, placas,

Ganhei-as sem adular.

Sempre, sempre vencedor

E grande competidor.

Na CSN exemplar.

74

E na amada Siderúrgica,

Trinta anos trabalhei.

Nas funções de alto nível,

Cada degrau alcancei.

No passo a passo somente:

Servo ou superintendente,

Com muita honra galguei.

75            

Dei meu sangue à Empresa,

Minhas forças e a mente.

Pela minha devoção,

Premiou-me certamente.

Ela me pagou vigília,

Amparou minha família.

Sou-lhe grato, eternamente.

76

Onde está a moreninha,

Com seu olhar enevoado?

Chegou a Monte Azul?

Ao destino procurado?

Queria pedir pra ela,

Quando olhar pela janela,

Não esquecer o passado.

77

Não me despedi de ti,

Porque tolo apalermado!

Julgo que sejas feliz

Ao lado dum bem-amado...

Lembra do juiz-forano,

E daquele trem baiano,

Com um rapaz aloprado.

78

Voltarei a dona Assunta,

“Quero pagar a Pensão.”

Hei de falar de saída,

Na melhor ocasião:

“No portal celestial

Meu esp’rito imortal

Nunca será um fujão”.

79

Se cometer um deslize,

Que faz um homem de bem?

Sua mente não o desculpa,

E sofre como ninguém.

É ferroada no peito,

Cravando de qualquer jeito,

Com mea culpa, amém!

80

Sabes tu o que é catarse?

Pureza libertação.

Ao contar esta história,

Meu querido ouvinte e irmão,

Compreenda a minha dor,

Ante a Jesus, meu Senhor,

Fiz a minha purgação.

81

Se cumpri o meu dever,

Se fiz o bem ou o mal,

Desculpa-me, por favor,

Não foi nada pessoal.

Deus não me deu protocolo,

Bati cabeça sem colo,

Desbastei meu cipoal.

82

Pergunto para as estrelas,

Que viram o tempo passar:

“Terei cumprido a missão

Que propus realizar?

Será hora da partida,

Depois de luta renhida,

Neste amargoso lugar?”

83

Eu dei nó em pingo d’água,

Esmurrei faca de ponta.

Renunciei boa vida,

Trabalhei fora da conta.

Também dei o meu recado,

Sem cometer um pecado,

Resisti qualquer afronta.

84

Fui um marginal na vida,

Tive uma epifania.

Abracei portal da igreja,

Rezei três ave-Maria.

Resolvi aventurar,

Enfrentar aquele mar

Ou ele me tragaria.

85

Do rosário dessa vida,

Só um terço desvelei.

E foram tantos rochedos,

A todos eu contornei.

Deus me mostrou o caminho,

Na fraqueza me deu ninho,

Ao fim da linha cheguei.

86

Nesta minha odisseia.

Dei rasteira no chifrudo.

Ninguém me passou pra trás,

Pois eu tenho conteúdo.

E com a minha sabença,

Superei minha sofrença.

Vitória, eu te saúdo!

87

Quero dar meu testemunho,

Neste marco temporal:

Se nasci em brejo rente,

Hoje tenho cabedal.

Eu sou de paz não de guerra;

O bom cabrito não berra,

Nem atola em lamaçal.

88

Eu abri meu coração,

Desnudei a minha alma.

Em grande tribulação,

Consegui manter a calma.

Até um amor perdido,

Trouxe outro tão querido.

No final levei a palma.

89

E na corrida da vida,

Sempre me conduzi só.

Excluíram-me de tudo

Debocharam-me sem dó.

Apesar daquela escória,

Fiquei bem nesta história

Deixei-os comendo pó.

90

Retornei a dona Assunta

Pra resolver a questão.

Não havia nem sinal,

Daquela velha pensão.

Só um prédio envidraçado,

Totalmente iluminado,

No lugar do casarão.

91

Dei adeus a dona Assunta.

Que mulher tão poderosa!

Na pensão com pulso forte,

Suplantou a rebordosa.

Quero deixar para ela

Monumento de estela,

Uma prece e uma rosa.

92

Faça sol ou faça chuva.

Seja noite quente ou fria.

Remorso bate no peito,

Me deixando em agonia.

É fogaréu inclemente,

É tristeza permanente.

Me deixando em arrelia.

93

Terminei minha viagem,

Decerto vou ao umbral.

Pois no vaivém da vida,

Não fui um cara legal.

Na Terra de expiação,

Vou resgatar meu quinhão,

Seja por bem ou por mal.

94

Aqui termina a história.

Saibam todos a verdade:

Sei que Deus é testemunha,

É minha realidade.

Depois do meu triunfal,

Encerro sem vaidade.

Comentários

Postar um comentário

Mais lidas