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PAULA LIMA
PAULA LIMA
Jesse, filho de um amigo de outrora (Didinho), solicitou-me informações sobre um lugarejo onde morei algumas vezes em minhas idas e vindas, seja no vaivém da vida. hoje, eu nonagenário, digo que minha memória está quase se apagando nas brumas do meu passado. Porém, vou fazer um grande esforço e pôr no papel o que me lembro. Lá vai, com a devida vênia:
Mudamos de Rosário de Minas para Paula Lima em 1941 ou 1942. Fomos morar em casa distante do arraial, de propriedade de Bebeto ou Beberto (Alberto) Leite, filho de João Mendes. Infelizmente, a casa que ele nos alugou estava abandonada há alguns anos e milhões de pulgas, bichos de pé e pernilongos nos esperavam, famintos. Que noite horrível! Lembro-me de que acenderam fogo de palha entre minhas pernas para matar as pulgas e depois, passaram pano encharcado com querosene em minhas pernas, braços, e partes da cabeça. Foi impossível continuar naquela casa, aliás eu tinha que buscar água num açude bem distante e, tinha um medo terrível de cair no lago. Digo isto porque só tinha seis anos. Então, meu pai alugou uma casa nova, ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Assunção. Em um mês, todos nós estávamos doentes (menos o pai e a mãe). Acho que fomos infectados naquela casa maldita. O médico chamado, de Juiz de Fora, doutor Infante Vieira. Eu, do meu quarto, ouvi-o prescrever: “Batatinas, biscoitinos e cristéis para todos”. Enfim, perdi três irmãos em pouco mais de mês. Que tristeza! Papai matriculou-me na escola primária da professora Laerte. Não deu certo comigo, que deveria copiar o abc no quadro-negro e não consegui ir além da letra a. Digo que, do alto de meus seis anos, eu estava perdido na sala de aula. Eu era capiau/caipira mesmo. Voltei chorando para casa. Naquele mês devido à morte de meus irmãos, meu pai foi para Chapéu D’Uvas, outro lugarejo, perto da antiga EFCB (Estrada de Ferro Central do Brasil) e alugou o sítio Chalé, de José Vieira Tavares. Mudamos para lá imediatamente. Quero registrar que em nossa curta estadia em Paula Lima fiz amizade com outro menino chamado Jair e apelidado Didinho. Eu não professo a doutrina da reencarnação, mas parece que Didinho e eu éramos conhecidos de outras eras, de outras esferas espirituais. Nossa amizade, instantânea, durou a vida toda. Gloria a Deus! Tive um grande e inolvidável amigo. Pois bem, mesmo morando em Chapéu, eu ia às festas da padroeira, ia na Semana Santa, ia na malhação do Judas, ia a qualquer festividade, em Paula Lima e dormia na casa de Didinho. Ele ia a Chapéu de vez em quando e dormia na minha casa. Éramos fraternos, almas gêmeas.
Nessa primeira morada em Paula Lima não deu para conhecer muita gente. Eu era muito criança para prestar atenção em pessoas ou acontecimentos. Assisti a um carnaval e tive muito medo dos palhaços. O ronco da cuíca: ici uc, ici-uc, ici-uc. parecia-me grito de um monstro. Assim, encerrou-se minha primeira experiência de Paula limem-se. E os anos se passaram e as águas correram sob a ponte, e o tempo tornou-me um rapaz de dezoito anos. Eu acabara de tirar o quarto ginasial. Estava como dizem na gíria, na rua da amargura: meu pai estava “quebrado” devido incompetência pessoal, maus negócios e sem-número de farras e desmandos. Comprara, fiado, um lote de vacas e se mandara para São João de Meriti, no Estado do Rio de Janeiro. Eu ficara em Juiz de Fora alimentando-me e dormindo, por favor, na casa de parentes. Um dia, encontrei-me com o tio Joaquim Minga, residente e Paula Lima que me perguntou: “O que estás fazendo?” Eu respondi: “Nada”. Ele, então, me convidou para ser caixeiro no seu armazém, em Paula Lima. Aceitei no ato, pois não queria ficar vivendo às custas dos familiares. Assim, pela segunda vez fui morar em Paula Lima. Meu tio disse-me: “Cama, comida, roupa lavada e R$50,00 (Cinquenta cruzeiros) por mês”. Foi meu primeiro emprego, claro que sem carteira assinada. Na venda de meu tio, pude conhecer fornecedores e clientes. Antes de continuar, quero informar onde ficava Paula Lima: Na antiga estrada macadamizada: Rio-Belo-Horizonte. Na direção BH, subia-se o morro do Tianguá; na direção BH-Juiz de fora, descia--se o morro da Cachoeirinha, após Ewbank da Câmara. Paula Lima ficava entre eles. Vamos considerar que a rua principal do arraial se confundia com a rodovia. Havia duas ruas à direita e à esquerda da Igreja. Havia algumas palhoças nos confins das ruas. Também havia uma viela a que chamavam Beco. Os armazéns eram três: o do meu tio, Joaquim, na entrada do povoado; o do seu Lino, no centro, frontal à Igreja; e, a seguir, o do Nenzinho. Também havia as mercearias do Pinduca e do José Alencar. Este era “Inspetor de polícia”, tendo “seu” Flausino como auxiliar. Os filhos de José Alencar: Adélia (muito bela) e Tata (o menino). Seu Firmo Fernandes era o Delegado de polícia e Julita, o Escrivão. Os “ricos”: Joaquim Felício Fernandes Filho (Quinquim Felício), dono do sítio Cité; Zé Tenente, dono da Fazenda Santa Leonor, sediada em Chapéu D’Uvas; Lau (Ladislau) Albano Fernandes; Alberto Leite; João Leite de Oliveira Primo (João Mendes) o mandachuva, que possuía na região em torno de 10.000 alqueires de terra. João Mendes mandava e desmandava no entorno de Paula Lima, Chapéu D’Uvas, Ewbank da Câmara, Benfica, Dias Tavares, Rosário, e muito mais. Elegia vereadores, apoiava prefeitos e tinha muito prestígio político. Tirava jovens do exército, etc.
À porta do armazém do tio Joaquim Minga, eu via os caminhões lentos, pesados e chorando: tá pesado, tá pesado, em direção a BH ou ao Rio. Eu sonhava em dirigir um. Este que vos escreve, na época, considerava-se um zero à esquerda, sem eira nem beira, Zé-ninguém, no fundo do poço. Há quem diga: “No fundo do poço há água fresca para dessedentar”. Acho que foi assim comigo. Um dia, peguei minha mala, e sumi no mundo: fui construir minha saga. Isto é outra história.
Quais foram meus conhecidos no arraial de Paula Lima? A primeira casa/fazendola, na direção BH, era do Paulo Lopes; a seguir, vinha a casa/fazenda de Totonho Silva, alugada a ele por Zé Tenente, herdeiro de Antônio Teixeira de Carvalho. Talvez, tenha sido ela a antiga fazendola Rocinha do Engenho, onde dom Pedro I se hospedara quando em viagem à Província Mineira. Ao lado dessa fazendinha havia um marco da Estrada Real, furtado há tempos depois. Continuando a relação de conhecidos, lembro que Pedro Sertanejo morava num casebre e outros, seus vizinhos, não são lembrados agora, mas foram muitos os moradores pobres, em casebres de pau a pique. Depois, vinha a venda do tio Joaquim Minga, a casa do Domingos Lopes, a casa do capitão Juscelino, o sobrado Zé ou Joaquim leite, a casa dos Abreu, a do senhor Sendas e, nos fundos, a serraria dele. A seguir, a venda do Lino, em frente à Igreja, e a venda do Nenzinho (meu irmão, Expedito, era seu caixeiro); a casa do padre Nelson Dutra; antes dela, porém, o botequim do Genésio; depois, um terreno vago. Lembro-me da casa do Sebastiãozinho (marceneiro), a do José Alencar e daí, após a praça da igreja a casa do Prudente José Dias, onde residimos um ano. Subindo a rua direção à Igreja ficava a casa de Oswaldo, acordeonista. Aura, minha irmã, chegou a estudar com ele, mas teve seus sonhos cortados por nosso pai que se mudou. Ele mudou-se umas 30 vezes, tal qual cigano. Mais casas: a de dona Sinhana, a de dona Diva Lopes, a do Zé Neném, a do escrivão, Julita e outras. Bem no fim de Paula Lima, direção Ewbank da Câmara, ficava a casa dos Spineli. Romeu Terra, o dentista prático, também morava em PL; Leônidas, o barbeiro, grande centroavante, morava no lado esquerdo da rua que subia para a Igreja. O alfaiate (esqueci o nome) era o pai da linda Maria José, que namorava Geraldo Lopes. Dentre os mais pobres, destaco Pedro Pião. Com ele joguei baralho: bisca de nove. Ele era pai de Furaôio. Conheci Vicente (pé torto), que se casou na família de Zé Neném, lembro-me de Piriá, filho do Zé Neném (casou-se com Gracinha, neta de José Júlio); Artur Dias, o sapateiro, no início; mais tarde, comprou um caminhão-tanque, rodou mundo e se casou com Nivalda, filha do Nenzinho; conheci mediocremente, João da Negra, o valentão, que tomou cinco tiros de meu tio, Joaquim, e não morreu; mais tarde, bebeu formicida e, desta vez, morreu. Conheci também Chico Rita, José Chagas (pintor de paredes); Zé Formigueiro, e outros sepultados no meu nevoeiro memorial. Não posso e não vou esquecer do meu amigo Vicente Hauck.
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No livro Aspectos da vida Rural, de J. Procópio Filho, pp 185/186 constam esses fazendeiros e posses:
Alberto Leite de Oliveira (Bebeto), 1.601,2 ha; Alcides Leite de Oliveira, 559,5 ha; Antônio Lopes da Silva, 300,0 ha; Expedito de Oliveira, 377,9 ha; Elpídio Leite de Oliveira, 300,7 ha; Francisco Prudente de Oliveira, 465,7 ha; Francisco Primo de Oliveira, 1008,0 ha; Geraldo Albano Fernandes, 439,5 ha; Geraldo Leite de Oliveira, 607,3 ha; Hélio Geraldo Fernandes, 452,1 ha; José Vieira Tavares, 3.339,6 ha; José Francisco Sales Filho, 1095,8 ha; José Leite de Oliveira, 1.464,0 ha; Laudelino Délio Fernandes, 363,9 ha; Oswaldo Almeida Fernandes,560,5 ha; Olívia Vitória Fernandes, 367,8 há.
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Pessoas lembradas, ricas, remediadas e pobres:
Jerônimo Abreu (dono do sítio Capim Gordura). Nas festas trazia os 12 filhos nos balaios, atrelados em burros de sua tropa, afinal, sua morada era longe; os Belaco; os Lulu, principalmente Arlindo Lulu e esposa: “Sá” Tota, donos da fazenda Boa Vista, sempre com a sua filha de criação Iraci (mãe do mel, em tupi). Convivi na família de Ezequiel Motta, meu sogro (sitio Perobas); seus filhos: Leopoldina, Maria, Cecy (minha esposa), João, José, Benício, Pedro, Joaquim e Francisco (meus cunhados). O fazendeiro José Júlio Fernandes (Fazenda do Tanque), contador de história. Tanta terra nas mãos de tão poucos. Conheci João, o enfermeiro (casou-se com Hilda, filha de Francisco (Chico) Manoel); e mais: Avelino Abreu, pai de Geralda Abreu, que se casou com meu tio Jovilino; Domingos Lopes; Antônio Altino, motorista; Tonico Mateus, dono de um caminhão; Baú; Ambrósio; Alípio; Duca. A grande família Norberto Fernandes; Tilenca (Alencar Dias); Dembá; família Francino; os ferreiros Teodoro, forjadores de ferraduras, enxadas, foices, martelos tenazes etc. João Lourenço, em sofrença, teclava nos oito-baixos: Cai fora que te mando a foice!... Cai fora que te mando a foice!...
Nótulas históricas sobre Paula Lima / Chapéu D’Uvas:
Preliminarmente, Paula Lima, ontem; era Chapéu D’Uvas, hoje. Pertencem ao município de Juiz de Fora. O lugar floresceu no século XVIII, com o nome de Chapéu D’Uvas. Chegou a ser elevado a paróquia, em 1764, com o título de Nossa Senhora da Assunção do Engenho do Mato, “no lugar de Chapéu D’Uvas”. Era, entretanto, designado comumente como Engenho do Mato. Saint-Hilaire, ao visitar o arraial de Chapéu D’Uvas registrou: “A paróquia de Chapéu D’Uvas, também denominada “Nossa Senhora da Assunção do Engenho do Mato...” (Viagem pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas). Ao que parece, depois que o Caminho Novo para o Rio de Janeiro passou a ser preferido e mais movimentado, o arraial entrou em decadência e perdeu a regalia de sede da paróquia. Esta só foi criada novamente com a lei n. 2.921, de 26 de novembro de 1882, com o título de Nossa Senhora do Rosário de Chapéu D’Uvas. Teve sua instituição canônica em 12 de novembro de 1884; o primeiro vigário foi Pe. Antônio Cabrese. (Con. Trindade). A denominação de Chapéu D’Uvas, anterior à criação da primeira paróquia, em 1764, das mais tradicionais de Minas, foi mudada para Paula Lima pelo decreto n. 442, de 24 de março de 1891. (In Dicionário histórico e geográfico de Minas Gerais, p.351).
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“A localidade mais notável que se encontra entre Antônio Moreira e Retiro é Chapéu D’Uvas... a espécie de oásis que acabo de descrever se acha rodeada por imensas florestas. Essa localidade respira calma encantadora”. Saint-Hilaire, Viagem à Província de RJ e MG, p.103, Fundação Biblioteca Nacional (FBN) IV-356,5,13.
Engenho de Chapéu D’Uvas ou Engenho do Mato: engenho mais uma pequena igreja com 13 casas, in João Emanuel Pohl, FBN 406,7-20, p.192.
P. 116 (talvez doc. da antiga EFCB/RFFSA, hoje MRS; Chapéu D’Uvas — km 303.211. Alteração de Chapetuva: xa, ver; pé, caminho; uva, água parada — caminho visto no pântano. A região foi outrora um extenso tremedal, um atoleiro enorme. É uma pequena povoação; está à direita, a indefectível capella [de são José]. A estação serve ao distrito de Paula Lima (sede, a 3 km, a nordeste, a que está ligada por uma regular estrada de rodagem. Prosseguindo, o trem atravessa pela última vez o Parahybuna (ponte de Chapéu D’Uvas, de 24, 25m (km 303.289), enveredando, agora na direção norte, pelo tortuoso vale do ribeirão Taboões, várias vezes (sete)...
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A freguesia de Chapéu D’Uvas compreende também o distrito de João Gomes, que na parte civil pertence ao Município de Barbacena, p. 72, in Noções geográficas e administrativas de MG.
Chapéo D’Uvas, por sua vez pertencia ao município de Parahybuna.
Em Corografia histórica da Província de MG, p. 103, de Cunha Matos:
Engenho do Mato. Grande distrito paroquial em que, até ao presente, se não levantou arraial algum, existindo junto à igreja matriz, a pouca distância da margem direita do córrego do Chapéo D’Uvas, só duas boas casas; e um pouco mais ao sul, o grande engenho de cana que deu o nome ao mesmo distrito. A igreja dista do Rio de Janeiro 45 léguas, e da cidade de Ouro Preto 33 sobre a estrada da capital do Império para Barbacena. O distrito próprio do Engenho do Mato dista 11 léguas da cabeça do termo. Tem 83 fogos e 657 almas. Dependem deste grande distrito, os pequenos que se seguem: Arraial de Antônio Moreira; Arraial de Formoso; Dito de São Miguel e Almas... [Palmira, hoje, Santos Dumont].
Chapéu D’Uvas... É assim chamado por causa de um velho cultivador de parreiras que permita aos sedentos encher o chapéu de cachos de uva. In Richard F. Burton: Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho; IV 298-7-2, p.66.
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Para saber mais:
Albino Esteves, in Álbum do Município de Juiz de Fora, pp 499-512, 1913.
J. Procópio Filho, in Aspectos da vida rural em Juiz de Fora, pp 185-186, 1973.
Johann B. Emanuel Pohl, in Viagem no interior do Brasil. Rio de Janeiro: INL, 1951.
Richard Francis Burton, in Viagens ao planalto do Brasil, (1868). Brasiliana. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1941, pp. 120-1.
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Comentários
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Muito bom, smj
ResponderExcluirFoi o que pude fazer. Pode ser aprimorado
ResponderExcluirTexto será substituído
ExcluirGostei muito das informações sobre o local onde nasci, meu berço terrestre. Parabéns! Gratidão!
ResponderExcluirOK, obrigado!
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