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Qual o mais importante?
Qual o mais importante?
Asséde Paiva
Dedico a José Carvalho (In memoriam)
Pires e Xícara andavam às turras. Cada qual se dizendo mais importante do que o outro. Na verdade, eram quase irmãos siameses ou, corda e caçamba: onde estava Pires logo vinha a Xícara assentar-se em cima dele, numa boa.
–– Comadre Xícara, saia de cima de mim!” pedia Pires.
–– Compadre, você não pode ficar sem mim, sem mim você não é nada. É um assento sem graça.
–– Comadre eu lhe dou charme, você sem minha presença fica como se pelada e com a asinha pedindo socorro.
–– Seu Pires, disse Xícara com desdém –– todos os líquidos, entre muitos o café, chá, leite e quejandos, são bebidos por lábios firmemente postos em minhas bordas, você é apenas um suporte que posso dispensar e, muitas vezes, esquecer na tampa da mesa ou mal seguro na palma da mão de meu usuário.
–– Tá bem você tem suas razões, mas eu também tenho alguma importância, ainda não reconhecida por você. Se você não for bem-posta em meu centro vai se virar e quebrar a asinha. Vamos elencar nossas boas e más qualidades e por fim decidir quem é o melhor. Concorda?
–– Topo –– disse Xícara, e para começo de conversa, em sou continente de todo conteúdo, você é nada; concedo que é minha bengalinha: reles suporte onde me apoio altaneira. Pense bem: há cem mil anos, quando o homem desceu da árvore e tornou-se caçador-coletor, quando bebia água, punha as mãos em concha, o que seria a primeira manifestação da minha importância e quase-xícara. Foi, então, o anteprojeto da primeira xícara.
–– Mas o Homo Erectus bebia água nas folhas de taioba e elas parecem um longo pires. E como é gostoso beber na taioba...
Xícara retruca:
–– Vamos trazer a prosa para nossos tempos. Sou linda de morrer... tenho bordas delineadas; e, às vezes artisticamente desenhadas e você, Pires, é plano como tábua; traz, apenas, uma reentrância para que eu não escorregue, caso meu portador baixe a mão e, quando acontece, eu derrapo para beira, solto pingos sobre você, que é imediatamente descartado ou lavado e dizem: “Ih, o Pires sujou!” eu, Xícara, não sujo, fico vazia.
–– Falemos de outras qualidades –– convidou Pires. Sou símbolo da elegância: pense em servir alguma coisa sem pires... não dá. Ok! Na onomástica Pires significa descendente de Pedro, o primeiro Papa; na genealogia, eu dou nome e sobrenome a pessoas. Existem muitos Pires por aí, como, por exemplo: Antônio Pires, Zé da Couves Pires; na orografia, há pires pra dedéu; na educação, temos a Escola Pires, em Torreões; em potamografia, sou nome de riacho: Ribeirão dos Pires. Nos povoados, sou Rio dos Pires, município da Bahia; Pires do Rio, município de Goiás. Rua Pires do Rio, nos municípios de Meriti e de Itaipava. Em filatelia, há o selo em homenagem ao centenário de Oswaldo de Lia Pires. Nasci primeiro (1607), você é de 1706. No princípio, comiam no pires. Cito os provérbios: Mais vale um pires de comida na mão do que promessa de banquete. Quem pede dinheiro emprestado, ou falido, quebrado, está com pires na mão. Conhece algum povoado, vila, cidade ou rio com nome Xícara? Conhece alguma dona Xícara? Eu visito “seu” Pires” Alguém chama: “Ô dona xicra!” Nada mais gostoso do que mineiro com botas(1), no pires, lógico.
–– Você está forçando a barra – reclamou a indigitada Xícara. Se me quebrarem, poderão beber líquidos na cumbuca, coité, garrafa, jarro etc. Quem bebe algo no pires?
–– Pires não se dá por vencido: – Vamos para o campo da gramática: Eu, Pires, posso ser substantivo comum, próprio, verbo e, até onde sei, xícara só é substantivo comum. Pires, ó Pires! onde estás que não respondes? Apelo ou chamamento a alguém. Ninguém clama: Xícara, ó Xícara! Onde estás que não respondes? Como verbo, eu, pires, sou segunda pessoa do singular, do subjuntivo presente do verbo pirar: que tu pires. Eu sou o melhor... Observe a enorme bandeja dos campeões e das campeãs tenistas, em Roland Garros. Aquelas bandejas são pires expandidos. Estão pensando em mudar o nome para Grande Piresão. E quando me vitaminam, sou o gran- -Pirex, resisto a altas temperaturas. Acredite: eu nunca vi qualquer campeão, em qualquer esporte, segurando uma xícara. Fazendo esforço mental, posso imaginar que as taças dos campeões/campeãs de futebol, metaforicamente relembram imensas xícaras, porque bebem Champanhe nelas. Neste caso, ponto para si, Xícara. No quesito esporte, vou considerar empate.
–– Pois é, disse Xícara, penso encerrar esse diálogo insano, em paz, pois somos ejusdem farinae; seja, farinha do mesmo saco; somos suplementares, nosso casamento é de conveniência, temos valor pelo conjunto e não sozinho. Vamos celebrar a paz...
E adormeceram na cristaleira em amável conúbio: A Xícara em cima...
Notas:
(1) Queijo mineiro com goiabada.
Comentários
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Gostei muito!
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