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DEMONOLOGIA na visão dos ciganos

 DEMONOLOGIA na visão dos ciganos  Vamos abordar um assunto que até então estávamos deixando de fora, porque pensávamos que outros já o estudaram quase à exaustão. Porém, ao lermos estes tópicos no livro de Jean-Paul Clébert, in The Gypsies , constatamos que o tema citado era abordado antes, por outros, fracamente, superficialmente; decidimos por aqui, não nossa opinião, mas a de Clébert, porque ele é muito bom autor e deve ser considerado entre os melhores, em ciganologia. Ele, humildemente, pede licença, à página 145, para transcrever outro autor. Dr. Maxim Bing e nós fazemos o mesmo, portanto, o que se segue não é de nossa lavra, mas dos ciganólogos citados. Os erros e omissões ficam debitados a nossa dificuldade em traduzir castiçamente, para o português, a língua inglesa. Aos que quiserem conferir é só comprar o livro The Gypsies de Jean-Paul Clébert, Vista Books, London, 1973 e ler os títulos pertinentes. DEMONOLOGY (p. 145-147) Em tempos distantes, muito distantes, os ...

SOLIPE(M)

SOLIPE(M)



Quatro amigos em uma rua em Minas Gerais



“Guarda teu amigo sob a chave de tua própria vida.” (William Shakespeare)
"A amizade é a única coisa que se multiplica quando se divide."  (John Lubbock)
Alegria, alegria! / a festa vai começar / coloquem suas máscaras / e todos a bailar.

    Eles eram bons amigos... inseparáveis com certeza. Atendiam por Souza, Lima e Pedro. De seus nomes formaram o acrônimo Solipe e gostavam de ser chamados assim. Nunca se vira pessoas com personalidades tão diferentes; e, com recursos diferentes. 
    Souza era órfão de grande fazendeiro que ao falecer deixara aos filhos muitos bens, os quais eram administrados pelo irmão mais velho: Chiquinho. 
    Lima não estudava, não tinha profissão, mas andava com a carteira cheia de dinheiro.... mistério nunca resolvido. 
    Pedro, o mais pobre, carente, tinha a qualidade de jovem estudioso, amante da literatura de amor e terror. Além disso, era conselheiro. Ele apaziguava os ânimos, jamais um desacordo transformara em briga, em agressão, portanto, bem respeitado, e muito inteligente. Apresentava outra faceta: era bom ouvinte e todos lhe contavam suas mágoas. Ele até se intitulava Muro das Lamentações(1), porque era senciente.
Os três mosqueteiros, vamos chamá-los assim, quando se encontravam na cidade farreavam o tempo todo, inclusive bebiam umas cachaças: rabo de galo ou samba em Berlim: mistura de cachaça com Coca-Cola.
Souza e Pedro moravam em uma Pensão denominada Agassiz. Lima morava em arraial distante, mas frequentava a cidade semanalmente e procurava os amigos, na Pensão, para completarem o trio, que iria infernizar as jovens em toda a cidade, bem como dançar nas boates e bailes de formatura e frequentar clubes ou simplesmente passear: footing.
Souza era moreno de cabelos lisos e pretos. Tinha 1,69m de altura, trajava terno de linho S-120, idade da felicidade: 16 anos. Meninas não lhe faltavam, mas era tímido e ficava sem namorar; Lima tinha 1,75m era musculoso e gostava de trajes esportivos e, tinha namoradas aos montes. Pedro o mais introspectivo de todos, o mais pobre, usava rotineiramente calça caqui camisa cinza, uniforme do colégio onde estudava. Pela sua timidez não conseguia conquistar ninguém. 
       Esta é ligeira descrição dos amigos.
     Indo mais a fundo, apesar de terem personalidades diferentes, os três amigos se complementavam. Souza, por exemplo, era bem-sucedido como bon-vivant, experiente, galante e sempre compartilhava sua esperteza e conhecimento com seus amigos. Lima, o boiadeirinho, era simples, e de poucas letras, mas com um coração enorme. Ele era o tipo de pessoa que estava disposto a fazer qualquer coisa por seus amigos. Além disso, era fumante inveterado. Costumava oferecer cigarro a Pedro dizendo: “Queima um!” De tanto queimar um, Pedro acabou se viciando no maldito fumo. Aí, passou a alimentar o vício às próprias custas. Pedro, apesar de ser o mais pobre do grupo, era uma pessoa muito determinada e queria ser um vencedor, construir a lenda pessoal. Hei de vencer, o seu lema.
    Pedro nunca deixou a carência de recursos financeiros impedi-lo de alcançar seu objetivo: ser alguém, deixar de ser João-ninguém. Sua persistência e resiliência foram fundamentais para que conseguisse superar os obstáculos que se lhe antepuseram... e foram tantos, mas como dizem por aí: “Por caminhos ásperos se vai aos astros”. 
    Olhe para que o diabo trabalha: Pedro apaixonou-se pela irmã de Souza, mas foi defenestrado sem dó. Sorte dele, há males que vêm para bem. O evento nebuloso, constrangedor, afetou a amizade preexistente. Pedro seguiu em frente, segundo o lema: Atrás vem gente... Lamentável que a amizade entre Pedro e Souza ficou como vaso quebrado: nunca mais foi a mesma. Vaso quebrado pode ser colado, mas será sempre vaso quebrado.
    Como na história de Alexandre Dumas: Os três mosqueteiros, vemos que está faltando o quarto mosqueteiro: D’Artagnan. Pois bem, aqui também há o quarto homem: I***, ou Mazinho. E o acrônimo passa a ser SOLIPEM.
    Mazinho, um bom menino, era filho do italiano Aníbal Z***, com a primeira mulher, que falecera no parto. 
    Houve um ti-ti-ti entre Mazinho e Souza. Nunca ficou claro o porquê da desavença. Porém, em uma festa no arraial de Paula Lima, no final e, após os fogos de artifício, os outrora bons amigos se viram frente a frente e bravos. Houve bate-boca e, Lima, o mais explosivo, abriu a camisa e apareceu a aterradora silhueta de um trezoitão. Lima levou a mão à culatra, era a tragédia em andamento. Souza implorou: “Não faça isto!” e Lima obedeceu; o grupo, então, se desfez, em face da ganga na amizade, antes cristalina.
    En passant, Souza perdeu quase todo dinheiro da herança, sobrou um tantinho que lhe possibilitou comprar um táxi e ganhar a vida honestamente.
    Lima pegou, como se diz na Bíblia, o caminho fácil “Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela.” (Mateus 7:13). Lima seguiu esta vereda, não por livre-arbítrio: o destino o quis. Meteu-se com entorpecentes e viveu como ave avoante. Lamentável sina. Maktub(2)!
    Que pena! deplorava Pedro lamentando não ter ajudado o amigo, pois havia que cuidar da própria família. E Pedro nunca se esquecera de que Lima certa vez tirara a camisa que usava e lhe dera de presente. Este, sim, era amigo de fé, irmão camarada.
    Lima jamais pedira ajuda a Pedro, que nunca soube que ele era desviante. Lima, um coração de ouro. De certa forma, aventureiro feliz e, vivia cercado de admiradoras: um conquistador contumaz. 
    Falemos mais sobre Mazinho: ele e Pedro moravam em Chapéu D’Uvas, lugarejo perto de Juiz de Fora. Como Mazinho era sacristão do pároco local, acharam que ele tinha vocação para padre e, o internaram no Seminário Diocesano. Foi um tiro n’água: Mazinho se rebelou e voltou para casa. O sacerdócio não era sua praia. “Seu” Aníbal, em segundas núpcias, ignorava os filhos que tivera com a primeira esposa. Eles foram criados e educados pela irmã mais velha, Áurea, também chamada carinhosamente Ainha. Mazinho juntou-se aos três mosqueteiros que, agora, eram quatro, como no romance de Dumas. Mazinho o menos aquinhoado (financeiramente falando), não participava de todas as festas, farras e arruaças, porém, tinha ótimas qualidades: solidário, boa-praça e trabalhador. Fumava cigarro de pior qualidade: Saratoga. Na época, já era aprendiz de mecânico de motores de combustão. Aliara-se ao grupo, por sinergia. Um presente de Deus.
    Com as mudanças, andanças, problemas e vaivéns da vida, a amizade deles permanecera, mas com alguns senões. Após anos, cada um foi cuidar da própria vida, construir a sua saga.  
    E muita água passou por debaixo da ponte... Deu-se um encontro casual, onde fora mostrada a foto de Souza, Lima e Mazinho, sem Pedro. Ela era desbotada como cópia de jornal velho. Pedro absolutamente não aceitava sua ausência na foto. Tornou-se uma obsessão, onde quer que fosse, levava a foto; em casa, ela ficava na escrivaninha ao alcance dos seus olhos. À noite, uma lâmpada a iluminava com halo fosforescente, mágico. Pedro a olhava horas, em transe hipnótico. 
Certa ocasião, Pedro após invocar santos, anjos. divindades e potestades, chorou muito e bebeu um litro de conhaque, a seguir, tomou uma cartela de psicotrópicos. “Apagou”. Fora o mais fraco de todos e, seus demônios assumiram o controle.
    No dia seguinte, a empregada, assim que chegou, viu o patrão caído ao chão, com um retrato na mão. Ela o arrancou de suas mãos frias, enrijecidas e olhou-o atenta: “Estranho, parece que há mais um... na foto”
    Era injusto Pedro não aparecer na foto e, para ela transmigrara.

Amizade
Nas trilhas da vida, os caminhos se cruzam,
Amigos unidos, mesmo que o tempo os confunda.
Souza, Lima e Pedro, laços a formar,
Solipe, o nome, em corações a gravar.

Diferentes no ser, mas iguais no sentir,
Entre risos e mágoas, o destino a seguir.
Na farra, no baile, na cidade a rodar,
Era amizade pura, impossível de quebrar.

Pedro, o conselheiro, o ouvinte fiel,
Souza, o tímido, com seu brilho singelo.
Lima, aventureiro, o enigma a viver,
E veio Itamar com seu modo de ser.

Mas o tempo é implacável, a vida vai além,
Todos se vão, mas a memória retém.
Uma foto desbotada, num retrato enfim,
Pedro ausente, um vazio sem fim.

O pranto e o álcool, a dor a ferver,
Aquela amizade, difícil de esquecer.
"Sou parte de vocês!", Pedro a afirmar,
Mas no fundo do peito, a tristeza a gritar.

E assim, nas estrelas, a história a brilhar,
Os amigos se encontram, na alma a cantar.
Solipem, eterno, em memórias guardado,
Onde há amizade sempre a lembrar.

Pois o tempo cruel, não apaga a canção,
Que Pedro canta em eterna união.

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1 - Trata-se do único vestígio do antigo Templo de Herodes, erguido por Herodes, o Grande. É a parte que restou de um muro de arrimo que servia de sustentação para uma das paredes do edifício principal e que em si mesmo, não integrava o Templo que foi destruído pelo general Tito, que depois se tornaria imperador romano, no ano de 70. Muitos fieis judeus visitam o Muro das Lamentações para orar e depositar seus desejos por escrito.

2 -  Maktub é uma palavra em árabe que significa "estava escrito" ou "tinha que acontecer".

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