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Destaques

DEMONOLOGIA na visão dos ciganos

 DEMONOLOGIA na visão dos ciganos  Vamos abordar um assunto que até então estávamos deixando de fora, porque pensávamos que outros já o estudaram quase à exaustão. Porém, ao lermos estes tópicos no livro de Jean-Paul Clébert, in The Gypsies , constatamos que o tema citado era abordado antes, por outros, fracamente, superficialmente; decidimos por aqui, não nossa opinião, mas a de Clébert, porque ele é muito bom autor e deve ser considerado entre os melhores, em ciganologia. Ele, humildemente, pede licença, à página 145, para transcrever outro autor. Dr. Maxim Bing e nós fazemos o mesmo, portanto, o que se segue não é de nossa lavra, mas dos ciganólogos citados. Os erros e omissões ficam debitados a nossa dificuldade em traduzir castiçamente, para o português, a língua inglesa. Aos que quiserem conferir é só comprar o livro The Gypsies de Jean-Paul Clébert, Vista Books, London, 1973 e ler os títulos pertinentes. DEMONOLOGY (p. 145-147) Em tempos distantes, muito distantes, os ...

COMPANHEIRO

 COMPANHEIRO

Asséde Paiva



Esta estória não tem a ver com certa facção política que tem o slogan: A luta continua companheiro! Eu quero escrever sobre meu gato, meu companheiro de todas as horas, lá no sítio Casa Branca, em Juiz de Fora, onde eu passei algum tempo.

Quando comprei o sítio, passei dois meses nele, por dois motivos: primeiro, queria descansar minha cabeça, pois, havia aposentado a pouco, de uma grande empresa, onde trabalhei pouco mais de 33 anos; e, também queria fugir da agitação da cidade grande, no caso o Rio. Em segundo lugar, eu tinha na cachola a ideia de escrever um livrinho sobre estranho, bizarro mesmo um caso de paranormalidade que se dera em gente de minha genealogia. Assim, deixei a família nuclear na cidade do Rio e fui morar sozinho na roça, ou no campo. Eu havia dito aos meus amigos de trabalho que agora seria lavrador. 

Como me enganei...

Não me lembro como o gato foi parar na minha casa. Penso que o nosso caseiro o trouxe na mudança; talvez, minha irmã o tenha dado a mim, não sei. Certo que ele era acinzentado e, com certeza, sem pedigree e muito bravo; e por qualquer motivo arrufava, arrepiava para mim renhau mau! Pensei ser ele gato-do-mato. Com o passar do tempo, o gato acostumou-se comigo e não me deixava só, daí, chamei-o Companheiro.

Quando comecei a escrever o livro de memórias, ao qual dei o nome Possessão (esgotado), o gato subia na mesa, deitava-se de costas para mim e permanecia longo tempo nessa pose. Quando, na cabecinha dele, achava que eu não ia parar de escrever, ele se virava para mim e docemente, suavemente batia a patinha em minha caneta, até que eu chateado com as interrupções do felino, levantava-me e dizia: “Chega, você quer passear?!” Ele também se levantava alegremente e pulava ao chão. Nós saíamos para o terreiro, passávamos pelo curral e subíamos ao pasto nas trilhas de capim brachiara decumbens. O passeio era longo demais para meu Companheiro, em geral eu me dirigia à mina d’água potável e, após muito caminhar, o gato começava: miau, miau, miau. Eu sabia, que ele queria colo. E, de fato, eu o pegava e ele se aninhava em mim. Enfim, éramos felizes. 

Um dia, ele apareceu vomitando muito, pensei que estava envenenado. O vizinho tinha “parte” com o demo e para ele matar um gato não era problema. Levei o bichano ao veterinário de Benfica; ele constatou envenenamento com raticida, e prescreveu medicamentos para cortar o mal, o que aconteceu, para minha alegria. 

Certa feita, recebi a visita de uma família que tinha um garoto, desses cheios de manhas e vontades (hoje penso que ele tinha algum transtorno). O garoto cismou de pegar o gato eu disse: “Não pega”! Ele insistiu, mas quando pegou Companheiro e o levou ao peito, recebeu várias unhadas, porque assustou-se com o cachorro e o largou de pronto.

 “Não te falei” repreendi o menino.

E a vida seguia tranquila eu, o gato, meu cachorro, meus gansos: Protocolo e Capitólio e minhas galinhas d’angola. Eita vida boa! Porém, meu vizinho, mau caráter, não se deu por vencido e como o veneno não funcionara a contento, ele atirou no gato, felizmente a bala só raspou na pele. 

Companheiro tinha gosto refinado ele adorava ouvir música clássica, como a Protofonia, do maestro Carlos Gomes. Quando eu punha o long-play na vitrola, ele ficava parado, extasiado, em frente ao aparelho, até a música acabar, porém, se eu pusesse uma música de carnaval, ele saía correndo para o terreiro. Outro grupo que ele não suportava era o de Folia de Reis. Em janeiro, algumas trupes passavam pelo sítio, nesta época, Companheiro desaparecia.

O gato tinha ciúmes de mim, se um visitante chegava, ele ficava sempre ao meu lado me vigiando. Aonde eu ia, ele ia também e, ai de quem tentasse me afagar!

Nunca deixei qualquer animal ficar à noite dentro de casa. À noitinha punha todos pra fora: gato, cachorro, galinhas etc. 

Eu comprava carne de segunda para alimentar meu gato e o cachorro. No final da semana, ia ao açougue e comprava quantidade suficiente de carne para a semana. Chegava a casa, tratava dos bichos e punha a sobra na geladeira.

Minha casa não era grande: dois quartos, sala, cozinha, despensa e duas varandas. De madrugada, às cinco da manhã, do lado de fora da janela do quarto onde eu dormia, começava o roçar do bichano no peitoril. Ele ia de ponta a outra e sempre agitando o rabo e com ele batendo na janela. Estava avisando-me para levantar. O que me encucava era que por ter medo de ladrões, dormia cada dia num lugar diferente, mas o gato sempre sabia onde eu estava dormindo. Eu me levantava, fazia as abluções de praxe e, a seguir, abria a porta da cozinha. Quem entrava primeiro? Companheiro, o qual ia me enredando, dando voltas em torno de mim, e me dirigindo para a geladeira. Ele sabia onde estava o alimento. Os bichos sabem muito mais do que pensamos... Eu tratava dele e do cachorro com a carne e, a seguir, dava milho às galinhas, gansos e patos.

Houve outra investida para matar meu companheiro: jogaram água fervente nele, que escapou por pouco e veio miando dolorosamente para casa. Seus pelos caíram onde recebera água fervente.

Tratei-o como pude, mas ele ficou manchado, quase troquei seu nome. Tomei uma decisão difícil para mim: resolvi doar Companheiro à minha tia Niniva, que morava e ainda mora em Benfica. Eu morava na Barreira. Como levei o gato? Não foi fácil, todavia, consegui laçá-lo e enfiá-lo num saco de aniagem e, ele riscando fósforos. Com o coração partido, peguei carona numa fubica e levei-o a Benfica. São 6 (seis) quilômetros de distância, em retas, curvas, subidas e descidas e trânsito intenso.

Pensem bem! quilômetros de asfalto, barulhos, buzinas e cheiros diversos, inclusive passando por uma fazenda com seus estercos malcheirosos. No meu entender, Companheiro saíra da minha vida para sempre. Com surpresa total e muita emoção e, porque não dizer, alegria imensa, no dia seguinte, eu ouvi o roçagar na janela do meu quarto: era o Companheiro de volta. Como pode ser? Como ele posto num saco pode relembrar os meandros do caminho? Dei-lhe comida e afirmei:

 “Você voltou, então, ganhou o direito de viver aqui, com meu eterno carinho”.

Esta história não teve um fim feliz, Companheiro foi sacrificado em ritual satânico, pelo tenebroso vizinho, dono do sítio Xoroquê.

Desgostoso, parei de visitar meu sítio e anos depois o vendi.

Companheiro, na memória, persiste, 

No coração, sua lembrança resiste. 

Em versos, eternizo esse fiel amigo, 

Na história, no tempo, segue comigo.

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