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O MENINO NO PONTILHÃO
O MENINO NO PONTILHÃO
Era uma vez...
Ele tinha nove ou talvez dez anos e ficava horas a fio olhando aquele pontilhão sobre águas turbulentas, pensando que o trem, que por ele passava, um dia cairia nas águas espumantes. Seria um grande desastre, porque aos seus olhos de criança, o rio e a ponte eram enormes. Imensas também eram as composições ferroviárias que passavam, principalmente as carregadas de minério de ferro.
“De onde vêm? para aonde vão?” Meditava o menino.
A “grande” ponte às margens do rio AnubiaraP (1), profundo, de águas rabugentas que passavam turbilhonando entre pedras. O embate águas e pedras, produzia ruídos tenebrosos, e os peixes pulavam, e as pedras resistiam. O menino imaginava o poder das vigas de aço que suportava o trem de ferro; pensava na força do rio sobre as pedras.
“Sonhas, ó menino?”
Ele tinha medo, muito medo do pontilhão.
Aconteceu que no lugar em que moravam só havia as atividades: trabalhar, deitar e rezar. No quesito oração, além da missa havia o costume da “visita da santinha”, isto é, Nossa Senhora ficava durante nove dias numa casa e, depois da novena todos se reuniam e levavam-na, em procissão, para outra casa.
Eis que na época desta história, a santinha na casa do menino, pensador. findava a novena. Era hora de trasladar a santa para outra morada. Por destino travesso, a nova visitação da Santa ficava do outro lado do pontilhão, na casa de dona Arzelina ou Orzelina. No dia aprazado, apareceu na casa do menino um mascate, santeiro, carcamano(2), surdo-mudo, ofertando quinquilharias: espelhos vidros de cheiro e santinhos. Isto causou atraso no terço ou na reza, como diziam. Quando saíram, em procissão, já entardecia. Seguiam em fila dupla, cada qual com vela acesa na mão. A dona da casa levava a Santa, devidamente protegida no oratório, à frente de todos. Cantavam desafinados: Avê! avê! avê Maria! Avê! avê! avê! Avê Maria! / A treze de maio na cova da Iria, / no céu aparece a Virgem Maria... E também cantavam, piedosamente, o hino Com minha mãe estarei / na santa glória um dia, / junto à Virgem Maria / no céu triunfarei / No céu, no céu...
O grupo devocional passou por uma tranqueira, feita de sucata de trilhos, inúteis para a estrada de ferro. Concentrados, caminharam ao longo da via férrea, sempre a cantar: avê! avê! avê Maria! Aí, chegaram ao pontilhão. Não foi complicado atravessar, pois o menino teve ajuda do tio... O tempo apagou quem o ajudou. O menino só se recordava da mais horrível experiência da sua vida. O tio lhe dera a mão e, sem problemas, estavam do outro lado. Bem abaixo deles, as águas rugiam. Depois da ponte continuaram a rezar, como de costume, até à nova casa da santinha.
Enfeitado de rosas, cravos, fitas e estrelinhas, um altar esperava a Santa. Cada residência se esmerava para fazer o mais belo oratório. Os donos da casa esperavam na entrada. Ajoelharam-se, persignaram-se e rezaram as ave-marias, padre-nossos, e glória ao Pai, no terço do Santo Rosário. O puxador do terço resolveu rezar jaculatórias para as almas dos que já se foram, e a noite avançou. Satisfeitas as almas, houve momentos de conversa fiada, e um bolo foi repartido e pedaços servidos com café e leite quentes. Despediram-se, beijaram as fitas da santa e se foram em debandada. O tio do menino, que tinha namorada na fazenda Cachoeira, do seu Nestor, caminhou em direção oposta ao arraial de onde vieram.
E o menino ficou só.
Era noite fechada. No retorno estava o pontilhão a ser atravessado. A luz de bruxuleante de um lampião clareava as águas bravias... E agora? O menino que, então puxava fila dos caminhantes, parou à espera de que alguém lhe desse a mão; ninguém o fez, e ele não teve coragem de pedir ajuda, pois era muito tímido. Ficou por último.
Atravessar era preciso. “Ah, pontilhão dos terrores”.
O menino encheu-se de coragem, deu o primeiro passo, o segundo e outros, sobre estreitíssima tábua, posta entre trilhos para facilitar a travessia dos pedestres. E as águas bramiam nas pedras. Foi bem até à metade da travessia, mas a lua desviou-se de nuvem e clareou demais. Ele tonteou-se, se viu caindo... caindo. Pisou levemente na tábua e achou a altura descomunal. Ouviu o ribombar das águas revoltas e se abaixou, quase deitando na tábua corrugada. Então, se pôs de quatro, e com as pernas bambas, tremendo arrastou-se, lentamente, centímetro a centímetro. Suava e tremia; os olhos enevoavam... A vertigem o paralisava... E lá no fundo, as águas e as espumas o chamavam. Imensa era a sua aflição, pois se lembrou que há dois meses o trem apanhara as irmãs gêmeas.
No peito dolorido, o coração como tambor: tuc, tuc, tuc!
Ouviu-se na curva do caminho de ferro o apito do trem. Dilema atroz: cairia nas águas ou se deitava e esperaria a locomotiva ofegante...
Iara, a deusa das águas, o chamava para um abraço. Ele lento a se arrastar...
E o trem de ferro, resfolgante, apitou: sai daííííí!!!
Ninguém se mexeu para evitar o que se deu...
Nos momentos mais difíceis, sempre se estará só.
Tudo é só, a montanha é só, o mar é só. A lua ainda é mais só. Se encontrares alguém, ele está só também.
Notas
1) Paraibuna, ao contrário.
2) Estrangeiro, esp. Italiano.
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