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O BOI BARROSO E A VACA MALHADA
O BOI BARROSO E A VACA MALHADA
In memoriam
Caros leitores, queridas leitoras! São duas estórias verdadeiras, pequeninas e postas no mesmo título. Tudo se passou nos idos de 1938/39, em um lugar chamado Rosário de Minas, onde nasci e vivi os primeiros nos de minha vida. Na verdade, nasci em Valadares que à época deste relato pertencia a Rosário e no Cartório de Rosário fui registrado, quatro anos depois que vim ao mundo. Por que quatro anos depois? Porque eu era tão doentinho que achavam que a magra viria me buscar logo, logo; daí, meu pai não precisaria gastar com o Registro de nascimento e depois com o de óbito. Uma despesa a menos.
Vou contar o que ouvi, pois nada disso foi escrito antes. A casa onde morávamos tinha o pomposo nome Fazenda dos Coqueiros ou Fazenda Velha. O nome Fazenda Velha obviamente vinha de uma aleia centenária de coqueiros que ia do curral à estrada de Rosário. Fazenda Velha, sim, porque era decadente, cheia de buracos, onde o vento entrava pela frente e saia pela cozinha, através de vetustos buracos. A decadência tinha a ver com o fim da escravidão. Sem mão de obra a custo zero veio o fim. Só minha bisavó, madrinha Dona, vivia de lembranças. Também era caduca, pois pegava laranjas podres e as levava para cama.
A Fazenda Velha ficava a três quilômetros da Fazenda de São Mateus, que pertencia a meu avô, pela parte de minha mãe. E, de vez em quando, a gente fugia para lá. Naquele tempo, meu avô era próspero (mais ou menos) fazendeiro e, seu curral ficava cheio de vacas, pela manhã, na hora da ordenha. Nós, eu e irmãos, do alpendre ou varanda, assistíamos o serviço dos retireiros, incumbidos da ordenha. Certa feita, meu avô recebeu visitas da cidade de Juiz de Fora e, uma das moças, que nada entendia de vacas e de roça, em geral, observava o serviço dos retireiros (ordenhadores). Em boca fechada não entra mosca. Ela não sabia a diferença entre vaca e touro, assim disse a um dos empregados, apontando para o touro: “Tire o leite daquela ‘vaca’ que está com o ‘mojo’ cheio”. O marruco Barroso ostentava testículos enormes e evidentes. Houve risos contidos dos retireiros.
Barroso, o touro, tinha sua história: Quando nasceu, perdeu a mãe-vaca e foi criado pelo meu avô, Chiquinho de Almeida, na mamadeira. Meu avô trazia-lhe o leite à varanda da Fazenda e mugia imitando a mãe vaca, chamando o bezerrinho para mamar. Ele vinha rápido: subia três matacões e sugava na mamadeira o leite quentinho. Depois, meu avô entrava na sala, e o bezerrinho o acompanhava e passavam por outra sala (do oratório), pelo corredor, pela sala de jantar, entravam na cozinha; então, o bezerro saia pela porta dos fundos. Isto continuou até o desmame. O touro continuou mesmo depois de grande a mesma rotina, sendo que, agora, lhe era dado restolhos ou sal grosso para lamber. De bezerrinho, a garrote, a novilho, a touro, sempre seguindo o mesmo protocolo. Com 25 arrobas, passava com dificuldade pelas portas dos vários cômodos da casa. Certa feita, ele assustou-se com um movimento de sacudir um pano, ou fala ou grito e aprontou um quebra-quebra no interior da Fazenda. Nunca mais lhe foi permitido passar além da varanda. Digo isso, porque as coisas aconteceram. O touro tornou-se um marruás violento, agressivo, conquistador. Mas tinha estampa, afinal, era bos taurus; seu enorme cocuruto era charmoso para novilhas, saindo da puberdade e, a Fazenda divisava por águas vertentes, com outra, onde selecionavam reses para apuração da raça, aprimoramento genético. Para nosso boi Barroso não havia cerca que o detivesse, quando uma rês, no cio, olhava para ele de viés, convidativa. Ele rompia a cerca, sentia o feromônio da rês, arreganhava os dentes e a “cobria”. No outro dia, vinha o fazendeiro reclamar da invasão e do enxerto não programado. Assim, foi o próprio boi Barroso que selou o seu destino. Ninguém ouviu seu último mugido de despedida... Meu avô foi, a contragosto, obrigado a vendê-lo para corte. Pobre Barroso! Morreu por “pular a cerca”.
Falemos da vaca Malhada
A vaca Malhada era minha, foi presente de meu padrinho de batismo. Ele se chamava Ananias Nico e foi omisso quanto ao apadrinhamento, pois jamais procurou conhecer seu o afilhado, eu. Tudo bem, não me fez falta sua ausência. A vaca Malhada era muito mansa, preta com pintas brancas e tinha uma estrela na testa. Eu quis chamá-la Pintada, mas valeu o nome que meu pai deu: Malhada. Ela teve duas crias e seu leite transbordava pela beira da caçamba de dez litros. Pela mansidão, muitas vezes abracei-a até à barbela, enquanto alisava sua testa. Na terceira cria, aconteceu o problema: o bezerro nasceu morto. Tentaram um apelo: tiraram o couro do bezerro e cobriram outro bezerrinho. Malhada não aceitou a fraude, negaceou. Foi preciso botá-la no parão para poder esgotá-la, isto é, ordenhá-la para jogar fora o colostro (leite das primeiras tiradas após nascimento da cria). Aconteceu o pior, o leite diminuiu sensivelmente dava apenas dois litros ou menos. Em cada ordenha ela escondia o leite. Apareceu um boiadeiro querendo comprá-la para o corte, dizendo que ela era pé-duro, isto é mestiça, sem pedigree. Ele queria desvalorizá-la. Eu sabia que ela era fruto do cruzamento de touro holandês com Jersey. Por fim, Malhada começou a rejeitar o curral. Chegava até à porteira, soprava no chão e disparava morro acima ou para o brejal. Difícil fazê-la entrar. Um dia, ela disparou para o pântano e se atolou. Foram necessários quatro homens para retirá-la do atoleiro. Que trabalhão! Meu pai perdeu a paciência, decidiu abatê-la, matá-la. Eu chorei muito, porque ela era minha, meu presente, mas isso não valia para papai. Na véspera do abate, ele deu desculpa esfarrapada de que precisava viajar a negócio. Potoca, certo... Ele queria ir à farra em Juiz de Fora. Hoje, seria considerado um bon-vivant. Divertiu-se até o fim da vida.
Voltando à vaca Malhada e ao dia do seu sacrifício, meu pai contratou Pedro Pião para abatê-la, já que Pedro se dizia magarefe. Na hora “H”, ajudei a amarrar a vaca, não que quisesse; sim, porque não podia negar: eu era o menino do curral. Presa no parão, nós levamos Malhada a um esteio do curral e a amarramos firmemente com um laço no pescoço. Ela não podia mexer a cabeça. Pedro Pião, um imbecil e incompetente, jamais matara uma vaca. O pilantra, mentira para meu pai. Pedro começou a furar/cavoucar com um punhal a nuca da Malhada, no encontro dos chifres e ela sofria e berrava de cortar o coração. As demais vacas ficaram agitadas em volta do curral. Até penso que elas sabiam o que se passava. Eu não posso jurar, mas vi os olhos molhados de uma sua companheira. Meu Deus! Elas sentiam, elas sofriam. E Malhada berrava e Pedro Pião cavoucando a coitada. A salvação foi chegar meu tio Joaquim Minga que falou irritado: “Não é assim que se faz!” Pegou do punhal e cortou a cerviz de Malhada, que derreou no ato. Então, Pedro Pião acabou o serviço.
Peço licença para encerrar porque, até hoje, trago comigo a imagem da morte de Malhada e o choro das outras vacas. Lembro-me da estrofe de um poema:
Também fiz uma promessa / a quem meu couro tirar / o mundo dá muitas voltas / sem camisa há de ficar. //
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