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FALEMOS DE CHAPÉU D’UVAS
FALEMOS DE CHAPÉU D’UVAS
Lenda pessoal (Dramático evento)
Asséde Paiva
Dizem os psicólogos e outros estudiosos da mente humana, que esquecemos as coisas boas que nos acontecem vida afora e, lembramos só dos traumas pessoais. Deve ser verdade, porque maus eventos são registrados a ferro e fogo em nosso cérebro, os bons acontecimentos se vão como neblina de outono.
Trago em minha memória acontecimento infernal que se deu quando ainda tinha dez ou doze anos e morava em Chapéu D’Uvas, (casa da foto), na insegurança da minha adolescência. Um dia, chegou meu tio, Jovilino (Jove), com uma boiada, vindo do sertão de Divino de Ubá (hoje Divinésia). Com ele veio seu cachorro, Lobo (ou Japi), que tomava conta ferozmente de sua alimária. Ai de quem chegasse perto... E se meu tio dissesse “Inimigo aí!” Lobo pulava no atrevido e o mordia implacavelmente. Por isso, ninguém ousava aproximar-se da mula, onde quer que ela estivesse amarrada ou solta, mesmo porque a besta (ver foto dos três) era ensinada. Podia ser liberada do cabresto, que permanecia quieta, até que meu tio a cavalgasse outra vez.
Pois bem, tio Jove vendeu a boiada ao dono da fazenda Sesmaria, próxima de minha casa e ficou um ou dois dias. Ele empreitou, com seu Zequinha (José Vieira Tavares), a tarefa de amansar umas dez mulas. O tio era famoso amansador e ferrador de burro bravo. Ele era petulengro, (ferreiro), no idioma romani ou dos ciganos. Meu tio buscou os animais e dispôs a partir para sua terra. Ele deixaria, por ora, as bestas no sítio do Azevedo, arrendado ao meu pai. O velho Minga, meu pai, pediu ao meu tio Jove que levasse também até o Azevedo, algumas vacas e bezerros. Indicou-me para ajudá-lo nesta travessia. O cachorro, Lobo, ficaria em nossa casa, porque a partir de Benfica, meu tio pegaria ônibus até Juiz de Fora e de lá, o trem da Rede Mineira de viação, RMV, ramal Leopoldina, para Ubá.
Em manhã de sol quente, sem nuvens, saímos para cumprir a jornada de uns oito quilômetros, em direção ao sítio do Azevedo. Assim que atravessássemos o arraial, Lobo voltaria com o ajudante. Tudo bem, até que cruzamos a linha férrea. Continuamos a caminhada pela estrada que margeava a ferrovia. Para nossa desgraça, a locomotiva de um trem misto, com carga e dois vagões de passageiros, estava parada na caixa d’água e enchia seu tanque, para encarar a serra da Mantiqueira. (Veja foto). Quando estávamos na altura da igreja de São José, ao lado da ferrovia, a máquina saciou sua sede, e o ajudante ou foguista retirou a imensa mangueira do tender e jogou-a de volta ao seu cabide. O maquinista avisou da partida, puxando a corda do apito: Piauííííííí. E acelerou. À primeira golfada de vapor, nossos animais apavoraram-se e deram meia-volta. Correria, gritos, assovios, cachorros latindo, pessoas assustadas nas janelas. Ocorreu a disparada dos animais em sentido contrário ao que queríamos. Esporeei meu cavalo e voltei também, tentando conter a correria. Não consegui, eles eram tão ou mais velozes do que o meu animal. “Volte Ferrute (ele me dera esse apelido), volte”! Clamava meu tio. Não obedeci, havia eletricidade no ar, desastre em andamento. Moradores não entendiam o que se passava. Meu Deus! E o trem acelerando mais e mais... Era a corrida da morte. O que poderia acontecer? Deus me salvou, porque meu arreio afrouxou e foi parar no pescoço de meu cavalo; o arreio virou e despenquei ao chão, onde fiquei estonteado, estatelado; dona Liquinha correu para me ajudar. Meu cavalo seguiu escoiceando ao vento e se livrando da arriata. Animais e trem porfiavam na velocidade em direção ao pontilhão de Chapéu D’Uvas. Depois, o trem parou, com o limpa-trilhos sujo de sangue. Um silêncio atroz envolveu o povo, estarrecido com a tragédia. Caminhei, caminhei, em pesadelo... Todos os animais morreram, exceto um, que perdeu um casco e ficou sangrando entre pedras e águas, embaixo do pontilhão. Eu, patético, observava o horror que provoquei com meu açodamento. Nunca esquecerei este desastre, que foi considerado um acidente, mas no fundo do coração carrego a culpa: Se não tivesse tentado deter a cavalgada, talvez todos escapassem, pois, na ânsia de salvá-los provoquei suas mortes.
Lobo, o cão, não morreu; meu tio viajou de trem, e lobo ficou amarrado a noite inteira. E uivou que uivou. No dia seguinte, logo que foi solto, desapareceu, e dias depois, após mais de cem quilômetros, voltou a sua casa em Divino de Ubá.
O burro, que perdera um dos cascos, não morreu. Tratei-o com imenso carinho dois anos e meio. Ele definhava, pouco a pouco. Um dia, “seu João” levou-o a uma grota e o matou, a tiros, para desespero de minha mãe que tanto implorou que não o matasse.
Dizem que a morte de um burro, traz atraso de vida, parece ser verdade. “seu João” nunca mais “aprumou”, na verdade, “quebrou”, mas isto é outra estória. Eu hoje me pergunto:
“Por que o maquinista não parou? Por que acelerou? Não teria visto a disparada dos animais?”
“Era um imbecil competindo com seu cavalo de aço contra os semoventes? Não sei, não sei!”
“Seu” João queria processar a EFCB, mas foi desaconselhado, pois, não havia possibilidade de ganhar a causa. Afinal, o trem não sai dos trilhos...
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Comentários
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Foi uma trágica aventura minha
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