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Destaques

DEMONOLOGIA na visão dos ciganos

 DEMONOLOGIA na visão dos ciganos  Vamos abordar um assunto que até então estávamos deixando de fora, porque pensávamos que outros já o estudaram quase à exaustão. Porém, ao lermos estes tópicos no livro de Jean-Paul Clébert, in The Gypsies , constatamos que o tema citado era abordado antes, por outros, fracamente, superficialmente; decidimos por aqui, não nossa opinião, mas a de Clébert, porque ele é muito bom autor e deve ser considerado entre os melhores, em ciganologia. Ele, humildemente, pede licença, à página 145, para transcrever outro autor. Dr. Maxim Bing e nós fazemos o mesmo, portanto, o que se segue não é de nossa lavra, mas dos ciganólogos citados. Os erros e omissões ficam debitados a nossa dificuldade em traduzir castiçamente, para o português, a língua inglesa. Aos que quiserem conferir é só comprar o livro The Gypsies de Jean-Paul Clébert, Vista Books, London, 1973 e ler os títulos pertinentes. DEMONOLOGY (p. 145-147) Em tempos distantes, muito distantes, os ...

A PALAVRA ARIGÓ

A PALAVRA ARIGÓ


José Huguenin & Asséde Paiva

 

Monumento ao Arigó, De Bruno Giorgi (escultor)

Monumento ao Arigó, De Bruno Giorgi (escultor)


Trova parauara

Uma chance se avizinha,

Vou a ela por inteiro.

Pois sabem que a “Farinha

pouca, meu pirão primeiro”.


Não há meio de escapar. Cedo ou (não muito) tarde, quem passa a viver em Volta Redonda ouve a palavra “arigó”, nome dado aos trabalhadores que vieram construir a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Aqueles que migraram. A explicação costumeira aqui é que se trata de um pássaro migratório, uma ave de arribação, como se diz no Nordeste, região onde, talvez, tenha nascido essa palavra.  Fato é que logo vem à mente um bichinho mimoso, serelepe... Aves migratórias, sabemos da andorinha, da batuíra, também da pomba asa-branca, enfim, imaginamos um passarinho. A imagem que se formou em mim foi de um pássaro pequeno com predominância da cor amarela e traços pretos. As cores do Município teriam vindo desse pássaro (ou o contrário), que representava os construtores, literalmente dessa cidade. Logo a palavra arigó começava a povoar as imagens que despertavam admiração, respeito, entusiasmo e, quando nos vemos definidos por ela (eu também vim para a cidade do aço trabalhar), gera pertencimento. 

Quando nasceu a ideia do livro, a primeira coisa que imaginei foi buscar uma foto do passarinho arigó para ilustrar na capa. Aí começou a peregrinação.  Fiz buscas de todo jeito e nada coerente nos resultados. Consultei o geógrafo e observador de aves, Gabriel Monnerat, que tem um perfil fantástico no Instagram (@gcblbomonerat) com mais de 1400 fotos de pássaros e, em 2021, publicou o livro Quintais de passarinho. Fiquei estarrecido com reposta dele. Disse-me que não conhecia esse pássaro, pelo menos com este nome e que deveria ser uma denominação geral.  Foi uma boa dica. Pesquisando mais, achei o site wikiaves. Coloquei o nome de um passarinho, apareceu um monte de variações; digitei andorinha e apareceram quase trinta variações.  Coloquei arigó. Nada, nenhum registro. A essa altura, já me convencia de que tal pássaro não existia. Fomos em busca de denominações outras, como sugeriu o Gabriel. 

Achei um artigo, de 1943, de João Leda (1876-1955), filólogo, funcionário da Assembleia Legislativa e, então, membro da Academia Amazonense de Letras. João Leda foi instado a falar sobre a palavra que começava a se espalhar por Manaus, no rastro dos soldados da borracha: arigó. Leda disse não conhecer a origem da palavra; não viria direto do português, pois “os mais conceituados léxicos da nossa língua” não apresentavam esta palavra, segundo ele. O artigo com ares de engraçadices descabidas escancarava também triste realidade: racismo estrutural que remonta aos nossos dias. O que o instou foi o pedido de amigos encafifados com o termo usado em notícias policiais. Disse que buscou no léxico latino-americano sem sucesso. Mas se tratava de migrantes nordestinos, negros, pardos, para atender ao chamado de uma guerra, na demanda por borracha. Hoje, sabidamente muitos soldados da borracha foram enganados e explorados nessa empreitada. Minhas pesquisas me levaram a pensar que o migrante sertanejo se autodenominava “arigó”. Sem saber a etimologia da palavra, João Leda diz, gaiatamente, que poderia “inventar” uma raiz “étimo iorubano agó”, significativo de "riquezas” com afixo (ari) que significaria roubar. Um claro preconceito. Por que escolheu ele a origem africana do radical para o significado que, desajeitadamente, dava à palavra? Não sei!

Consultei Asséde Paiva, amigo, escritor, pesquisador da língua portuguesa, e da cultura cigana, que escreveu o livro com onomatopeias de pássaros, sobre a palavra arigó, sendo ele, também, um arigó.  Ele me informou que teve a honra de ajudar o autor do livro História do GACEMSS (Grêmio Artístico e Cultural Edmundo de Macedo Soares e Silva). Na página dezesseis há uma explanação sobre a palavra “arigó”. Transcrevemo-la ipsis litteris

Os primeiros trabalhadores vindos para o início da grande obra [construção da Companhia Siderúrgica Nacional – CSN] foram chamados arigós: primeiro, arigós de obra; depois, arigós de Usina). Não há uma explicação clara para o apelido “arigó” dado aos forasteiros, apenas supõe se referir a uma ave migratória mudando constantemente de ambiente, entretanto, nos dicionários não há esse registro e, no Dicionário Houaiss o termo arigó é definido: “Indivíduo simplório, rústico, matuto”. Parece se adequar mais aos trabalhadores recém-vindos de todos os estados do Brasil. O termo “arigó” era usado indiscriminadamente, para qualquer operário (principalmente o braçal), que viesse trabalhar em Volta Redonda. Note-se que os engenheiros eram denominados “arigós de penacho”; os bombeiros, cabeças de tomate.

A figura do “arigó” foi tão importante para a CSN e, por conseguinte, Volta Redonda que, na comemoração dos 50 anos de criação, a Empresa inaugurou um monumento intitulado O arigó, uma obra do escultor Bruno Giorgi, em estrutura de 12 metros, feita em aço Corten, produzido na própria siderúrgica. Monumento localizado em frente ao edifício de Escritório Central da CSN (desativado após a privatização da empresa).

Fui ver, então, os léxicos atuais, os web dicionários se já incluíam isso. Por exemplo, no Aulete achamos “Arigô: s. m. || (Bras., Centro) pacóvio, simplório; pessoa rústica.” Sem relação nenhuma com a ave migratória. No Dicionário Informal, achamos a definição de José Eduardo Ribeiro Moretzsohn:

“Que ou aquele que trabalha em construção de estradas, engenhos e usinas de açúcar; cassaco.  Em alguns lugares do Nordeste, segundo depoimento de um nordestino, arigó tem esta acepção por significar ave de arribação, migrante. Quanto ao trabalhador migrante, diz-se que é "arigó" quando vai e, paroara/paruara quando volta.”

Melhorou muito. Uma referência àquele que migra para trabalhar (significado que achamos aqui).  Uma busca apontando o Nordeste e não pássaros, me levou à música “Viva o arigó”, de Gonzagão, o rei do baião: 


Vamos dar viva a ele
Ora viva o arigó
Vamos dar viva a ele
O matuto é o maior................bis

 

Eu trabaio de sol a sol
Comigo não tem tempo ruim
Por isso na minha paioça
Só tem roça e não capim
Eu sou mesmo o arigó
E eu sou feliz assim...........bis

 

Com a força dos meus braços
Pego a enxada e cavo o chão
Quando cai uma chuvada
Pranto arroz, mio e feijão
Eu sou mesmo o arigó
O braço forte da nação.........................bis

Esse significado do Aulete (rústico), mas vai saber se esse trabalhador aí não chegou na roça, migrando, como ave avoante, fazendo pousada. O arigó da cidade de aço tinha também o braço forte, o ciclope, segundo o professor Waldir Bedê. 

Vou dizimando a dúvida da origem. Essa palavra veio do Nordeste. Mas como explicar o uso dela aqui na cidade do aço, na segunda metade da década de 40, se majoritariamente o trabalhador que ergueu a usina e a cidade veio das Minas Gerais? Uma hipótese é que o alto escalão da usina, militares, tiveram contato com os soldados da borracha: os arigós da Amazônia e acabaram por empregar o mesmo apelido àqueles que vieram dar seu braço, força e juventude.  Ainda citando Bedê, um grupo de operários foi desfilar com o exército em um 7 (sete) de setembro na Capital, para o presidente Vargas, sendo chamados de soldados do aço, em clara alusão ou analogia aos soldados da borracha. Fato é que, pássaro ou não, o/a arigó faz parte do imaginário coletivo da cidade do aço. São todos aqueles que dedicaram a vida ao que hoje chamamos Volta Redonda. São histórias que se misturam e constroem um conceito: O que vem trabalhar. Vem de longe, de perto... vem. E faz pousada. Finca raiz, faz um ninho, gera os primeiros filhos da cidade do aço. E continuam a chegar e a nascer. 

Outra versão (sugestão de Ettore Dalboni da Cunha):

Quando a CSN estava em construção (idos de 1941/46), foram recrutados em todo o Brasil gente das mais variadas profissões ou de nenhuma qualificação.  Na época, Volta Redonda era muito insalubre e muita gente adoeceu ou não se adaptou ao serviço pesado. Muitos morreram com as mais variadas doenças. Assim sendo, o operário desanimava, seja pela dureza do trabalho ou pela disciplina militar imposta (naqueles tempos heroicos, abandonar o emprego na CSN era considerado deserção). O trabalhador (em geral analfabeto) fazia a mala e se dispunha a partir de volta às origens. Os chefes, quase sempre americanos, quando viam sinais de defecção ou deserção perguntavam: Where are you going? E o desertor respondia: “Arigó coisa nenhuma, vou s’imbora”. Lenda ou fato?

Nos idos de 50/55, novos trabalhadores receberam o apodo “aridango” que era composição de partículas das palavras ari/gó +  can/dango. Este apelido não vingou. Hoje, os operários braçais são chamados peões.

Pedras ovaladas são chamadas ovos de arigó.

No livro CSN Um Sonho Feito de Aço e Ousadia, de Regina da Luz Moreira, Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, (CPDOC), s.d., p.51, lê-se: 

Naquele tempo, nós, que vínhamos de fora, tínhamos o nome de arigó. Sendo que arigó era aquele de quem o habitante de Barra Mansa não gostava. Arigó era o nordestino, o mineiro... Havia também o “arigó de penacho”: eram os chefões, os engenheiros, os diretores. Dizem que arigó é um pássaro que não tem pousada; sai da sua terra, lá de onde nasceu, e vai voando por aí. In Depoimento de Bergonsil de Oliveira Magalhães(1), op. cit., supra.

Pincei trecho do discurso de Jamil Riskalla, na Câmara de VR, quando da emancipação da Cidade do Aço: ... será também [VR] de tantos obreiros, arigós eternos da liberdade, arigós eternos da igualdade, e arigós eternos da fraternidade”.


Seguem sinônimos de arigó, coligidos aqui e ali, em geral preconceituosos, ofensivos e humilhantes. Não vamos nos esquecer de que esses arigós construíram a maior Usina Siderúrgica da América Latina: a Companhia Siderúrgica Nacional, CSN.


Sinônimos de Arigó:

Atoleimado, abobado, abestado, cearense, trabalhador comum, bocó, bocoió, bestalhão, boco-moco,  boca aberta, babão,  caipira, araruama, babaquara, baicuara, biriba,  botocudo, bruaqueiro, caboclo, caburé, caiçara, camisão, canguçu, capiau, capuava, casacudo, catimbó, chapadeiro, coió, égua, grofeiro, guasca, idiota, jacu, jeca, juca, mandi, mané, mandioqueiro, mandira, mano , marcha-lenta, mateiro, matuto, mocorongo, mongoloide, muxuango, oreia seca, papalvo, pascácio,  pé duro, pé grande, pioca, piraquara, queijeiro, retardado, roceiro, saquarema, sertanejo, simplório, tabaréu, tapiocano, toleirão, transa lenta, urumbeva,  zoreia.


Minha vida!

Eu sou mesmo arigó
eu sou cria do sertão
vale a pena o meu suor
derramado nesse chão
pode ter vida melhor
mas eu não troco não!
(Guibson Medeiros)


O passo do arigó

A vida lá na roça até que é bem mió
De dia é pro roçado mas a noite tem forró
Mané nos oito baixo vai tocando em tom maió
E a gente sai chiando só no passo do arigó
E a gente sai chiando só no passo do arigó

E diz ôchente donde vem tanto arigó
E diz ôchente hoje eu mato um arigó
E diz ôchente donde vem tanto arigó
E diz ôchente hoje eu mato um arigó
(Marinês e sua gente)

Arigó, alma valente (Google Bardi)
Arigó, nome que ecoa na história, 
De bravura e luta, eterna memória. 
Do Nordeste árido e sofrido,
Surgiu um guerreiro, forte e destemido.

Em busca de um futuro melhor, 
Enfrentou o desconhecido, sem dor. 
Com mãos calejadas e suor na testa, 
Cumpriu seu destino, com alma honesta.

Nas brenhas da Amazônia, encontrou seu lar,
Onde a vida era dura, mas o sonho a brotar. 
Arigó, símbolo da força interior, 
Quebrando barreiras, com ardor.

Com a terra fértil, semeou esperança, 
E a floresta verde, deu-lhe bonança. 
Trabalho árduo e persistência, 
Transformaram vidas, com insistência.


Finalmente, a Internet, no Recanto das Letras, traz o texto de Sergio Martins Pandolfo sergio.serpan@gmail.com - serpan@amazon.com.br -

www.sergiopandolfo.com. aqui resumido: O apodo arigó vem da referência ao popularíssimo pássaro cardeal, ave de arribação (ordem Passeriformes) comuníssima no Nordeste pertencente ao gênero "Paroaria", de que existem diversas variedades.

 

In wiki Aves  Enciclopédia das Aves do Brasil:

Seu nome científico significa: do (tupi) paroara(2) = nome indígena tupi para uma pequena ave vermelha e cinza tiê-guaçu paroara; e do (latim) coronata = coroado. ⇒ (Ave) vermelha e cinza coroada. “Paroare” de Buffon (1770-1783). “Tie Guaçu paroara” (mencionado por Marcgrave).


CARDEAL - canta, assobia. O cabeça-vermelha, sempre irritadiço, grita   em onomatopeia fonético-ideológica: arre, arre lá... com todos os diabos! diabos!...

Na Internet: “No Brasil, também existe uma espécie de ave conhecida como Cardeal, que pertence à família Thraupidae e é cientificamente denominada Paroaria coronata. O Cardeal brasileiro é encontrado em várias regiões do país, como no cerrado, na caatinga e na mata atlântica, e é conhecido por sua plumagem vermelha brilhante na cabeça e peito, contrastando com a cor cinza no dorso e asas. O Cardeal brasileiro é uma ave comum em áreas urbanas e rurais, onde se alimenta de sementes, frutos e insetos. É uma espécie considerada de menor preocupação pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)”. 


ODE AO ARIGÓ

Arigó canta triste no cerrado, enquanto como Paroara mergulha nas águas da Amazônia. Em sendo Cardeal, com seu capuz vermelho, destaca em meio à mata com peito branco, dorso acinzentado. Três aves em uma, três poemas em trânsito, que se entrelaçam em voos e trinados. O Arigó encanta com seu canto sentido, Paroara surpreende com seu mergulho rápido e, o Cardeal colore a caatinga com o capelo vermelho. Cada um em trinado mágico nos leva a um encantamento fluídico. Pássaro mavioso enche nossos sentidos e nos ensina que a vida é um eterno fluir e devir. Suas asas nos levam a voos imaginários, e sua beleza nos inspira a cuidar da vida natural. (Chat/GPT).

O romance “O Paroara” –– Rodolfo Teófilo (1853-1932) ––, foi publicado em 1899, sendo um daqueles títulos que fizeram do final do século 19 um dos momentos mais produtivos da literatura brasileira. O tema trata do migrante cearense, que deixa sua terra natal e tenta enriquecer na Amazônia [arigó], retornando posteriormente. O termo Paroara, em si, era a designação que davam justamente àquele que retornava depois da emigração.


POEMA do ARIGÓ

Paroara, arigó e cardeal, 
Três nomes em um só ser. 
Uma ave de muitas cores, 
Só faz a natureza crescer.

Seu corpo é uma paleta, 
Vermelho, cinza e branco
Cada penugem uma beleza, 
Pega o galho no barranco.

O canto que essa ave entoa,
É uma sinfonia que encanta. 
Voz em perfeita harmonia, 
Ecoa na verde manta.

Paroara, arigó ou cardeal, 
Uma só ave, tamanha riqueza, 
Que nos faz lembrar a grandeza, 
Que impera na natureza.

E assim, com sua presença, 
Nos lembra a importância da vida.
A beleza está em cada detalhe, 
Em cada ser vivo, tão bem contida.
(ChatGPT colaborou)


Notas:

(1)Ex-enfermeira-chefe no Hospital da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

(2) Paroara/parauara – Termo a nosso ver pejorativo e, inobstante os dicionários em voga sancioná-lo como apodo depreciativo que os nordestinos davam aos que arribavam das terras assoladas pela seca, à semelhança das aves de arribação e, em especial, aos que vieram aos borbotões para a Amazônia (por aqui a denominação que se lhes dava era a de “arigós”) 


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