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Os Sinos
OS
SINOS
Asséde Paiva
“Tudo o que nóis ganha o bar tira; só não bebe é sino,
mas vive dizendo: não me dão... não me dão...”
(Apud José Machado Pais, in Lufa-lufa cotidiana, p46.)
Esta é uma coleção de vozes dos sinos, segundo as leituras de pessoas dos mais variados lugares, aqui, no Brasil, e além-mar, em Portugal. Na verdade, este é um abstract de um manuscrito maior que denominamos Dicionário de vozes dos animais, onomatopeias delas e de sons e ruídos (inédito). Nossa colheita foi farta e muito interessante sobre as ditas vozes dos sinos, resolvemos apresentá-la nesta separata, esperando boa acolhida dos leitores e leitoras. Entrando logo no tema, de Wilson Montemór, poeta resendense, recebi excelente poesia intitulada Voz do Sino, Voz do Povo, que resumo a seguir:
Quando nasce alguém (o sino), parece nos dizer:
Nasceu gente! Nasceu gente!
Nasceu gente! Eu vos previno...
Quando há casamento:
Casa gente! Casa gente!
Casa gente! Eu vos previno...
Se morre alguém, toca tristonho:
Morreu gente! Morreu gente!
Morreu gente! Eu vos previno...
E no Natal:
É Na-tal! Na-tal! Na-tal!
Em Be-lém! Bem-Bom! Bem-Bom!
Esta é de Antônio Nobre, in os sinos:
É os sinos dobram a defuntos
Dlin! dlang! dling! dlong!
E os sinos dobram todos juntos,
Dlong! dlin! dling! dlong!
No Folclore pernambucano, de Francisco A. Pereira da Costa lemos esta interpretação imitativa do repicar dos sinos:
Dem, gon, dem,
seu bispo aí vem,
não deve a ninguém;
so come bolacha
de quatro vintém.
As vozes onomatopaicas dos sinos:
balão, balão, bão-bão-bão, bãunnnn, bãunnnnn, bem-bem-bem, bim, bam, boum, daunnn, daunnn, palaunnn, balaunnnn, cantar, abombar, estraquilhar , repicar, repinicar, badalar, badalejar, bendelengar, carrilhonar, dilim-dim-dim, ding-ding-ding, dlão-dlão, dobrar, don-don, picar, tocar, tanger, tintinar, tinir, correr, retinir, bimbalhar, lãolalão, paunnn, paunnn, planger, talalá, talalá, talalá, talão, talaunn, talaunn, talaunn, tan, tan, tan, tim, tim, tim, tilintar, tlan, tlan, tlan, taun, taun, taun, tão toleirão, tão toleirão, tci, pci, pci, pce, tem lêndeas, tem lêndeas, tens-tens, tencão, téem, téem, téem; tantolim, tenir, tlim, tlim, tlim, tlintar, zoada, zoar.
//////
Em diversos locais de Portugal, ouve-se:
Em N. Sa. das Oliveiras:
Nós somos fidalgões... nós somos fidalgões...
Os sinos do Carmo: Tem lêndeas... tem lêndeas...
Os de Santa Clara: Tira-las... tira-las...
Os das Trinas: Catai-las... catai-las...
O das Donas: C’um quê? C’um quê? C’um quê?
Responde o do Alcaide:
C’um bardalhão! C’um bardalhão! C’um bardalhão!
Quando do casamento, a moça parece ouvir: que sim, que sim!
Após o casamento, a vida se torna um inferno e a moça reclama ao padre, que manda tocar os sinos, aí ela ouve:
Que não
Que o amor dos homens
É uma ilusão!
Só quem os atura
Sabe o que são.
E não! e não! e não!
(Carlos Alberto Ferreira de Almeida).
As duas torres
Torre de São Sebastião
Dlen-dlen! Dlin-dão!
Chamando os fiéis à prece
Quando já quase anoitece,
Logo vindo a multidão...
Dlin-dlen! Dlin-dão!
Torre de meu coração,
Dlin-dlen! Dlin-dlão!
Chamando o níveo rebanho
Dos belos dias de antanho,
Que nunca mais voltarão...
Dlin-dlen! Dlin-dlão!
Torre de São Sebastião,
Que tem tudo quanto quer...
Torre do meu coração,
Que nada espera sequer...
Torre de São Sebastião,
Dlin-dlen-dlão!
Torre de meu coração,
... dlen-dlão!
(Gilberto de Alencar).
//////
Aos sinos
Plangei, sinos! A terra ao nosso amor não basta. / Cansados de ânsias vis e de ambições ferozes, / Ardemos numa louca aspiração mais casta / para transmigrações, para metempsicoses!
Cantai, sinos! Daqui por onde o horror se arrasta, / Campas de rebeliões, bronzes de apoteoses, / Badalai, Bimbalhai, tocai, à esfera vasta! / Levai os nossos ais rolando em vossas vozes!
Em repiques de febre, em dobres de finados, / em rebates de angústia, ó carrilhões dos cimos / Tangei! Torres da fé, vibrai os nossos brados!
Dizei, sinos da terra, em clamores supremos, / Toda a nossa tortura aos astros de onde vimos, / Toda a nossa esperança aos astros aonde iremos!
(Olavo Bilac).
As vozes dos sinos em tempos coloniais
Nas matinas: Tem... tem... tem...
Ao meio-dia: meio-dia / panela no fogo / barriga vazia...
Ângelus: as badaladas da ave-maria cortavam o espaço, abençoadas e tristes ave-maria / mãe de Deus!
Anúncio de defunto fresco: (na Candelária) blão... blão... blão...
Anúncio de nascimento: tem... tem... tem... (se fossem nove era menino); sete para menina.
Toques violentos em rebate: fogo bam, tam / bam, tam, bam! / bam, tam / bam, tam, bam!
O sino da Candelária passava por orgulhoso e grulhava: De todos sou / o sino rei / nenhum soou / jamais nenhum / como eu soei / sino rei / de todos sou!
O sino de Santa Rita, diziam que falava assim, pela ave-maria: de Santa Rita fui / de Santa Rita sou / o senhor capitão-mor / me reformou / me reformou... E quando batia pelas crianças que iam enterrar: Feliz anjinho / feliz anjinho / que vai pro céu!
O do convento de Santa Teresa: Me dá um vintém! / me dá um vintém! / me dá um vintém! / vintém / vintém!
O dos capuchinhos respondia: capuchinho não tem / capuchinho não tem / não tem / não tem! não tem!...
Por vezes os dois sinos discutiam: tem! / não tem! / tem! / não tem! / tem! / não tem! / tem...
Os sinos da Candelária, Lampadosa, São Bento e São José tinham vozes naturalmente diversas.
O de São José, bronze um tanto fraco que, por vezes se punha a cantar numa voz esganiçada: O teu nariz tem pílulas! o teu nariz tem pílulas! / tem pílulas! / tem pílulas! / tem pílulas...
Diante de tão inopinada informação, um pouquinho mais grosso, vinha por pilhéria, sempre, o sino da Lampadosa: e eu tiro-las / e eu tiro-las / e eu tiro-las...
O de São Bento, perguntava, então engrossando a voz: com / quê? / com / quê? com / quê? / com / quê?
Resposta infalível do sino da Candelária, o mais forte de todos, num som baixo, cavo, profundo, quase subterrâneo: com meu badalão, com meu badalão, badalão, badalão!...
(Luiz Edmundo, in No tempo dos vice-reis, pp. 103-111).
Em sequência, a poesia os sinos de Manuel Bandeira:
Os Sinos
Sino de Belém,
Sino da paixão...
Sino de Belém,
Sino da paixão...
Sino do Bonfim!...
Sino do Bonfim!...
Sino de Belém, pelos que ainda vêm!
Sino de Belém, bate bem-bem-bem.
Sino da paixão, pelos que ainda vão!
Sino da paixão, bate bão-bão-bão.
Sinos de Belém, pelo que inda vêm
Sino de Belém, bate bem-bem-bem.
Sino do Bonfim, por que chora assim?...
Sino de Belém, que graça ele tem!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Sino da paixão. - pela minha irmã!
Sino da paixão. - pela minha mãe!
Sino do Bonfim, que vai ser de mim?...
Sino de Belém, como soa bem!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Sino da paixão... Por meu pai?...-Não! Não!
Sino da paixão bate bão-bão-bão.
Sino do Bonfim, baterás por mim?...
Sino de Belém,
Sino da paixão...
Sino da paixão, pelo meu irmão...
Sino da paixão,
Sino do Bonfim...
Sino do Bonfim, ai de mim, por mim!
Sino de Belém, que graça ele tem!
O QUE DIZEM OS SINOS? Dados que seguem, retirei-os o texto da internet, in Guilherme Santos Neves www.estacaocapichaba.com.br
Já o afirmaram os poetas – e, com eles, o Povo, o poeta maior – que os sinos têm alma. Natural, pois, que a eles se atribuíssem também vozes, e vozes que dizem, sonoramente, muita coisa.
Cecília Meireles, poeta e folclorista, teve ocasião de, em dois ou três pequenos estudos (“O que dizem os sinos”, A Manhã, Rio, agosto e setembro de 1942), focalizar algumas interessantes “parlendas onomatopaicas, inspiradas na voz dos sinos”.
Em 1949, tive ensejo de ouvir de D. Tudinha, senhora do velho Cascais, pessoas muito conhecidas em Guarapari, a seguinte longa parlenda infantil:
Tingo-de-mingo, Maria Pia,
Tingo-de-mingo, fazendo pão,
Tingo-de-mingo, para que pão?
Tingo-de-mingo, para João,
Tingo-de-mingo, João que tem?
Tingo-de-mingo, João está coxo,
Tingo-de-mingo, quem o coxô?
Tingo-de-mingo, foi o pau,
Tingo-de-mingo, quéde o pau?
Tingo-de-mingo, fogo queimô,
Tingo-de-mingo, quéde o fogo?
Tingo-de-mingo, água apagô,
Tingo-de-mingo, quéde a água?
Tingo-de-mingo, o boi bebeu,
Tingo-de-mingo, quéde o boi?
Tingo-de-mingo, machado matô,
Tingo-de-mingo, quéde o machado?
Tingo-de-mingo, o ferreiro levô,
Tingo-de-mingo, quéde o ferreiro?
Tingo-de-mingo, tá na missa,
Tingo-de-mingo, quéde a missa?
Tingo-de-mingo, a missa acabô!
Segundo então me disse a informante, essa cantilena reproduzia os repiques do sino da velha igreja de Guarapari, e tão exata e fielmente que se tinha a impressão perfeita de que era o próprio sino quem falava.
Publiquei, então, na saudosa Vida Capichaba (edição de abril do mesmo ano), sob o título “Vozes dos sinos”, a curiosa parlenda, confrontando-a com versão que se pode ler nos Contos populares do Brasil, de Sílvio Romero (1897, p. 364 e seguintes). No fecho do artigo, dava a entender que a expressão onomatopaica tingo-de-mingo (tal como a que cita Sílvio Romero: “dinglin, dingues”) é que faria lembrar a voz dos sinos. E concluía: “Se o ouvido não o estivesse claramente acusando, bastaria correr a lista de ‘sons das cousas’, do Vocabulário analógico de Firmino Costa, onde se incluem, como sons de sinos, precisamente o ‘dilim-din-din’ e o ‘ding-ding-ding’.”
Como em quase todos os setores do folclore os mesmos assuntos não se esgotam facilmente, vamos retornar ao tema, para novas achegas.
No trabalho de Cecília Meireles (A Manhã, 09.05.1942), há menção ao que dizem certos sinos de Belém, no Pará. O sino da igreja de São Raimundo – num dos arrabaldes da capital – diz, por exemplo, antes das missas de domingo: “Domingo tem, / Domingo tem, / Tem, / Tem! / Quem quiser vem, / Quem quiser vem, / Quem quiser vem, / Vem, / Vem!”
Nos subúrbios de Belém, duas igrejinhas vizinhas “também se correspondem pela boca do campanário”. Diz uma delas: “Hoje tem festa, / Hoje tem festa, / Hoje tem festa / No arraial de Nazaré, / Tem, tem!...” A outra responde, confirmando: “Ora se tem, / Ora se tem, / Ora se tem, / Tem... tem...!”
A respeito de conversa entre sinos, leio em O Rio de Janeiro ao tempo dos vice-reis (1932, p. 108), o que aí escreve Luís Edmundo: [Observo que já os registrei antes, neste trabalho]
O do Convento de Santa Teresa, que era um sino de freiras algo fanhoso na má língua carioca, por vezes punha-se a dizer, para o dos Capuchinhos, na igreja do Castelo: / Me dá um vintém, / Me dá um vintém, / Me dá um vintém, / Vintém, / Vintém, / Vintém... / O dos Capuchinhos, que não queria passar por sino milionário, respondia invariavelmente: / Capuchinho não tem, / Capuchinho não tem, / Não tem, / Não tem, / Não tem... / Por vezes os dois sinos discutiam ao mesmo tempo, nervosos e terríveis: / – Tem / – Não tem / – Tem / – Não tem / – Tem...
Outro diálogo entre sinos refere Luís Edmundo (p. 109), em que entravam os sinos da Candelária, da Lampadosa, de São Bento e de São José. Dizia este, “numa voz esganiçada”: “O teu nariz tem pílulas / O teu nariz tem pílulas / Tem pílulas / Tem pílulas / Tem pílulas...” Então, o sino da Lampadosa, “um pouquinho mais grosso, vinha, por pilhéria”: “E eu tiro-las / E eu tiro-las / E eu tiro-las / E eu tiro-las...” Entrava, então, em cena o sino de São Bento, perguntando, com voz ainda mais grossa: “Com quê? / Com quê? / Com quê?” Vinha logo a resposta infalível do sino da Candelária, o mais forte de todos, num som baixo, cavo, profundo, quase subterrâneo: “Com meu / Badalão, / Com meu / Badalão, / Com meu / Badalão!...”
Esses sinos do Brasil repetiam, porém, o que diziam sinos de Portugal. De fato, num breve estudo, “Vozes dos sinos”, de José Diogo Ribeiro (Revista Lusitana, 22, Lisboa, 1919, p. 134), deparo este diálogo que, até certo ponto, lembra perfeitamente o que acabamos de transcrever do livro de Luís Edmundo:
As vozes dos sinos nas freguesias que se prolongam, em reta, ao sul de Alcobaça, alguém as interpretou assim: os da Benedita (antigamente): “Tem lêndeas, tem lêndeas...”; os de Turquel: “Tirem-lhas, tirem-lhas, tirem-lhas...”; os de Évora: “Com quê? Com quê?”; e os de Alcobaça: “C’um picão! C’um picão!”
Interessante é notar que um dos livros de Miguel Torga (A criação do mundo (Os dois primeiros dias), 1952) começa pela mesma parlenda onomatopaica ouvida àquele sino da Benedita: “Tem lêndeas... Tem lêndeas... Tem lêndeas...” Trata-se, como se vê logo adiante (p. 12), do toque de uma sineta, a que outra dá resposta: “Se as tem, tira-lhas... Se as tem, tira-lhas...”
Aqui em Vitória, os sinos diziam outrora muita coisa curiosa. Segundo informação que me foi transmitida por Neném Grijó (que sabe coisas do arco-da-velha), o pequeno sino do convento da Penha, em certos dias, dizia em repique:
Maria Luísa
Das Neves Santos
Maria Luísa
Das Neves Santos...
E logo o grande sino da Penha badalava, sonoro e cavo:
É do areal!
É do areal!
É do areal!...
Também outrora, nos velhos e aguerridos tempos dos Peroás e Caramurus (informa-me o “centenário” João da Cruz), ao verem aproximar-se o turno semestral de festejar a São Benedito, os Peroás, ouvindo os sinos da sua igreja do Rosário, assim lhes traduziam os ruidosos e festivos repiques:
Aproveita o tempo
Que o mês é nosso!
Aproveita o tempo
Que o mês é nosso!...
Hoje em dia – a não serem certas irreverências – não sei mais o que dizem os nossos sinos capixabas.
[Fontes: A Gazeta, 01.01.1957 e recorte do mesmo jornal, sem data, provavelmente de 1963]
Aqui terminam os registros de Guilherme Santos Neves...
e começa um poema de Fernando Pessoa, sem título, feito em 1911:
Ó sino de minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E é tão leve o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo sempre errante,
É para mim como um sonho
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado
Sinto a saudade mais perto.
O que é onomatopeia? Santos Jota ensina:
“ONOMATOPEIA s. f. Reprodução gráfica ou articulada de um ruído: bum, tlim-tlim, miau, mééé, au-au-au, triim, zum-zum, pfff (escapamento de gás), txxx (líquido a escorrer). Como se vê esses sinais não são propriamente palavras, mas simples imagens de ruídos. Os nomes dados a esses ruídos é que passam a constituir palavras (substantivos), cujas formas podem ser idênticas ou parecidas às dessas reproduções (o miau do gato, o zunzunar da abelha, o tilintar da campainha, o miado do gato), mas são em geral diferentes: o latido dos cães, o coaxar das rãs, etc. A rigor, portanto, há onomatopeia (tlim-tlim e palavras onomatopeicas (o tilintar, o miado); cf. al. mack, muh com os respectivos verbos meckern, muhen; naquelas temos os próprios ruídos (suas imagens); nestas os nomes de tais ruídos. Caso parecido com os verbos (que são representações dos processos) em relação aos substantivos (nomes desses processos)”.
A rigor, a onomatopeia não tem função sintática: o telefone soou: tri... Pedro bateu à porta toc... toc. Mero adjunto pleonástico, apenas reitera o que o texto deixa explicito. Sob outro aspecto, o tri... está, dentro de certa medida, condicionado ao texto: não fora o telefone soar, mas o gongo, e não estaria bem aquela onomatopeia; da mesma forma, por ser o telefone, não significa não possamos empregar a mesma onomatopeia como imagem do ruído de outros objetos. Quando a onomatopeia passa a ter função como em A campainha fez tlim-tlim, ela já está aceita como palavra, de conteúdo semântico, equivalente a, no ex., o ruído tlim-tlim, podendo, inclusive, aparecer acompanhado de adjetivo: A campainha fez um estridente tlim-tlim; além do mais, o fazer tlim-tlim é tilintar, é dar caráter dinâmico ao substantivo tlim-tlim.
A representação há de ser aproximada. E a fertilidade do nosso pensamento gera um bem-te-vi, perfeito sintagma, mas poderia ser bintivim, sintivim ou cousa que valha. Pena não conhecermos a entonação vocabular, pois daríamos maior representação fonética ao nome, como poderíamos graficamente simbolizar. Bem-te-vi. Maria-é-dia, que também é Marido-é-dia e maridedia, é exemplo de como soa distintamente para cada um a voz do pássaro. O tique-taque, como alternância, é igualmente sintomático. Por que não tique-tique? A palavra onomatopéica comumente se vale da reduplicação, por vezes com alternância: tique-taque, pingue-pongue, quero-quero, ziguezague, zum-zum, reco-reco etc. Onomatopeias para referir vozes dos animais e mesmo nomes de animais são comuníssimas: estou-fraco, bem-te-vi, maria-é-dia. Que a onomatopeia é vocábulo motivado e não arbitrário é opinião quase geral, embora contestada por alguns. À argumentação de que varia a mesma onomatopeia de uma língua para outra, contra-aparteia-se com o fato de que cada qual tem suas impressões auditivas bitoladas pelo padrão lingüístico de que é usuário, não sendo, pois, de estranhar que um mesmo ruído provoque sensações acústicas algo diversas de povo para povo, e até de comunidade para comunidade. Nós mesmos temos tiriri ou siriri, mas também irerê, todos onomatopéicos para referir o mesmo pássaro. O al. Blitz, que nos soa qual uma onomatopeia visual, é regressivo de blitzen, de um ant. blecchazzen, sem nenhum valor onomatopaico. A seguinte relação de palavras inglesas parece evidenciar certa correspondência entre significante e significado, por conta sem dúvida do sh: bash (golpe), smash (golpe duro), crash (fragor), dash (choque), lash (chicotada), hash (confusão), rash (erupção), clash (choque violento), plash (marulho), flash (relâmpago). E Blomfield vê “ruído respiratório”, “movimento brusco” e arrastamento no som de sniff (aspirar pelo nariz), snuff (fungar), snore (ressonar), snort (resfolegar), snip (rasgar), snap (estalar), snatch (arrebatar), snake (deslizar) etc. [ ... ]. Ao inglês swish ou whizz responde o port. silvo ou assobio. Diante da semelhança do nosso au-au com o ital. bau-bau, al. wau-wau. Ingl. bow-wow, o fr. ouve um gnat-gnat. Parecidos são, outrossim, o port. Cocorocó ou quiquiriqui, sueco kukeliku, din. kykeliky, al. kikeriki, fr. cocorico, algo diferentes do ingl. cock-a-doodle-doo; também port. cuco, lat. cuculus, gr. kókkyx, húng. kakuk, al. kuckuck, fr. coucou, ingl. cuckoo, Ru. kukushka etc. E o holandês klop (tamanco) com o port. reg. cloque (tamanco). Por natural associação de ideias, podemos formar onomatopeias de movimento, visual etc.: ziguezague, luziluzir, lusco-fusco, zzz... (sono); são as chamadas onomatopeias secundárias, em paralelo às outras (primarias), que evocam experiência acústica. Apesar de ultrapassar os limites da palavra, a expressividade da frase no verso, naquilo que possa sugerir qualquer imitação, pode ser enquadrada na onomatopeia.
LOSANGO
Luís Pistarini
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Gostei muito deste texto. Deu-me um trabalho...
ResponderExcluirParabéns, Assede, pelo belo trabalho de pesquisa e criatividade!! Blin! Blão! Blin! Blão! Vc é mermo muito bão!
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