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DEMONOLOGIA na visão dos ciganos

 DEMONOLOGIA na visão dos ciganos  Vamos abordar um assunto que até então estávamos deixando de fora, porque pensávamos que outros já o estudaram quase à exaustão. Porém, ao lermos estes tópicos no livro de Jean-Paul Clébert, in The Gypsies , constatamos que o tema citado era abordado antes, por outros, fracamente, superficialmente; decidimos por aqui, não nossa opinião, mas a de Clébert, porque ele é muito bom autor e deve ser considerado entre os melhores, em ciganologia. Ele, humildemente, pede licença, à página 145, para transcrever outro autor. Dr. Maxim Bing e nós fazemos o mesmo, portanto, o que se segue não é de nossa lavra, mas dos ciganólogos citados. Os erros e omissões ficam debitados a nossa dificuldade em traduzir castiçamente, para o português, a língua inglesa. Aos que quiserem conferir é só comprar o livro The Gypsies de Jean-Paul Clébert, Vista Books, London, 1973 e ler os títulos pertinentes. DEMONOLOGY (p. 145-147) Em tempos distantes, muito distantes, os ...

OS CIGANOS E A FORJA

OS CIGANOS E A FORJA


Asséde Paiva

Foi Técnico Metalurgista na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).  Pesquisador do povo cigano, Bacharel em direito e Administrador. Autor de Brumas da história do Brasil, ciganos e escravos, RIHGB, n. 417, out./dez. 2002, pp. 11-60. 


Depósito de hematita de Hodbarrow Point

Hematita (Cortesia de Ronaldo Gori)



A palavra suméria NA.BAR, o mais antigo vocábulo que se conhece para designar o ferro, é constituída dos sinais pictográficos “céu” e “fogo”. É em geral, traduzida por “metal celeste” ou “metal-estrela.

(Mircea Eliade*, Ferreiros e alquimistas, p.19)

*Doutor em filosofia, poliglota, escritor e historiador romeno (1907-1986).


Resumo:

Ensaio sobre a atuação dos ciganos no ramo da metalurgia do ferro e aço, bem como do uso do bronze e cobre, defendendo a idéia de que foram esses nômades que difundiram o uso dos metais pela Europa, trazendo seus conhecimentos da Índia.


Abstract

This paper is an essay on the gypsies role in the metallurgy field of iron and steel, and the use of brass and copper. It is claimed that the gypsies, as nomads, were the ones that spread the use of metals in Europe, bringing their knowledge from India.


INTRODUÇÃO

Tenta-se provar a origem milenar dos ciganos

Os primeiros sinais de uso do ferro vêm do Antigo Egito e Suméria, quando, por volta de 4000 a. C, pequenos objetos, como pontas de lanças ou ornamentos eram feitas deste material. No entanto, o ferro ainda era um material raro, seguramente procedente de meteoritos.

Seriam os ciganos divulgadores da metalurgia? Se retroagirmos milênios, veremos que à luz do folclore, da arqueologia histórica, mesmo ao nível de fábula, vamos saber que os ciganos são os descendentes amaldiçoados de Caim, condenados a vagar pelo mundo (nas línguas semíticas –– hebreu, aramaico e outras –– Caim significa ferreiro (Fonseca, In Enterrem-me em pé ––  a longa viagem dos ciganos, p. 106).

Mircea Eliade, in Ferreiros e alquimistas, nos dá esta versão, que põe os ciganos diretamente no centro da problemática do ferro e da metalurgia: 

Cumpre também lembrar os ciganos nômades, que eram ao mesmo tempo ferreiros, caldeireiros, músicos, curandeiros e adivinhos. O nome que os ciganos atribuem a si mesmos, na Europa rom, na Armênia, lom, na Pérsia dom e, na Síria, dom ou dum. [...] Nos textos sânscritos, estão associados aos músicos, aos párias, mas são conhecidos, principalmente como ferreiros e músicos (op. cit., p.77).

Nós pensamos que ciganos têm muito a ver com o ferro, ainda que envolvidos por lendas, uma delas é que forjaram os cravos(1) da crucificação de Jesus. Os egípcios diziam ser metal vindo do céu. Mas antes de falarmos nesses nômades vamos dar um passeio na história do ferro, Principalmente na proto-história, através de excelente resumo feito por Gerardo C. Giffoni (ed. do autor) em A divertida história dos metais:

Eis o mais popular dos metais, porque é o mais usado pelo homem, quando transformado em aço. Seu minério Fe2O3 existe em abundância. É denominado gusa, ou pão de gusa, ou “pig iron”, após fusão do minério (hematita), com calcário, carvão mineral e dolomita, em altos-fornos, nas siderúrgicas. Como o gusa tem alto teor de carbono é quebradiço, então é refinado nos fornos convertedores, produzindo-se o aço, hoje presente em quase tudo que o homem consome/utiliza. Seu conhecimento, pelo homem, se perde nos tempos. Sabe-se que já era usado desde a mais remota antiguidade, conforme atestam os inúmeros objetos encontrados em cavernas pré-históricas. Não obstante correr livremente a tese de ter existido primeiro a idade do Bronze e depois a do Ferro, há autores que negam essa precedência. Esses afirmam que, se os achados de objetos de ferro são mais recentes do que os de bronze, isto é devido à circunstância de que mais rápido do que o bronze, o ferro se oxida completamente até virar pó; ao passo que o bronze oferece uma resistência bem maior ao ar e à água.  Achados de objetos de ferro nas ruínas de Nínive e nas pirâmides do Egito, fazem-nos admitir que o conhecimento do ferro pelo homem, remonta a mais de 4000 anos a.C. As Sagradas Escrituras o mencionam muitas vezes e o Deuteronômio diz que o rei Og, de Basan(2), vencido e morto pelos israelitas, foi o primeiro homem que dormiu numa cama de ferro, por ele mesmo idealizada. [Também, em Números 31, 22-23 lemos O ouro, a prata, o cobre, o ferro, o chumbo, o estanho, tudo que poder passar pelas chamas, será purificado no fogo]. Sabe-se, ainda, que os filisteus, para enfraquecer os hebreus, privaram estes dos seus ferreiros. Há 500 anos a.C. (Giffoni).


Os exércitos persas de Xerxes já usavam armas de ferro e de bronze, registrando-se que a batalha de Tróia foi uma das liças onde tropas combatentes usaram armaduras de ferro. Os celtas fizeram uso generalizado do ferro, principalmente na confecção de armas. Os gregos eram exímios ferreiros e conheciam a fundição, a têmpera e a damasquinagem do ferro. Em Delhi, na Índia, foi erigida uma coluna, que tudo indica ser de lingotes de ferro soldados, com sete metros de altura e quarenta centímetros de diâmetro, no ano 912 a.C. As famosas cimitarras sarracenas são testemunhas do trato que àquela época, já dispensavam ao ferro. Há autores que dividem a história da humanidade, em relação ao ferro, em quatro períodos, a saber: o primeiro período é aquele em que o homem pré-histórico construía rudimentarmente armas e utensílios de ferro, tal como este se achava na natureza, isto é, em estado meteorítico. O segundo período é o do ferro fundido, quando o homem já tirava o ferro do seu minério, permitindo, assim grande variedade de peças fabricadas. O terceiro e quarto períodos são atribuídos ao desenvolvimento da tecnologia (siderurgia, propriamente dita). Siderurgia vem de “sideros”, de raiz indo-européia, “Sidus” “astro”, mais tarde designou “aço”. E dele vêm os alfinetes que prendem as fraldas; os automóveis, as grandes pontes, vasos e utensílios, as espadas, as armaduras as ferraduras, os cravos, os tanques, os porta-aviões, as máquinas, edifícios e o progresso como consequência. Todas as histórias pesquisadas pelos metalurgistas e comprovadas sua realidade à luz dos conhecimentos atuais, mostram que o engenho do conhecimento humano pode ser contado através do ferro e do aço.


Como os ciganos entram nesta história? Eles estiveram em todos os tempos em todos os lugares, como se verá a seguir, pesquisadores excelentes, ciganólogos de escol. Os estudiosos atribuem aos ciganos não a invenção do ferro (ele existe na natureza), mas sua divulgação/aplicação pelo orbe. 


Muito provavelmente  foram os chalibes (nota 6) os primeiros a obter o “pig-iron” ou “ferro porco” e também os criadores e disseminadores de instrumentos e armas para o mundo antigo. Documentos arqueológicos de antes de 400 a.C. relatados no Sushruta Samhita ––  texto sânscrito ––  relaciona pelo menos uma centena de instrumentos médicos de cirurgia, fabricados pelos chalibes.


Vamos conhecer o que nos relatam respeitáveis ciganólogos: 


I) JEAN-PAUL CLÉBERT, THE GYPSIES, pp.7 e 13


Metade do nosso povo então emigrou em direção à Índia da qual eles trouxeram nossa língua bem como a indústria do ouro e do ferro, com outras ciências. É, contudo, necessário notar que na nossa partida uma discórdia aconteceu entre algumas tribos da caravana e nova divisão aconteceu. Enquanto algumas tomaram a rota da Índia, outras foram em direção oposta que as levou a um país chamado Chal (Egito). Outro grupo continuou residindo na Caldéia, onde se aliaram ao povo Assírio. Houve dois reis nossos: Pudilo e seu irmão Romano Nirano, que assumiu a liderança do novo Estado. Construímos imensa cidade denominada Babila (Babilônia) que se tornou nossa capital... E coisas assim continuaram até quando Cirusho (Ciro), soberano do povo persa, nos fez guerra (p. 7).


Nós deixamos a Caldéia: uma parte de nosso povo foi em direção Leste e outra em direção ao oeste... Uma parte de nosso povo assentou-se em Pelasgii(3) (antiga Grécia) e ilhas dos arredores. Outros nossos irmãos receberam autorização para cruzar o país dos persas e eles procuraram a Índia, onde reencontraram outra vez nosso povo que havia deixado a Caldéia centenas de anos antes... (p. 7).


O registro continua. Os ciganos foram bem recebidos pelos pelasgianos novamente por causa do seu conhecimento em metais. Com os pelasgianos supõe-se que tenham trabalhado fundando Marselha e caminhado para o Reno. Pode ser adicionado que a mesma tradição afirma que eles construíram as pirâmides, para o que eles participaram como trabalhadores braçais na sua construção. (p. 7).


Na coleção de idéias a que nos referimos a cerca da origem dos ciganos, vamos por um momento deixar o campo da geografia humana para o da técnica. Aqui o assunto é pequeno, nos diz que ciganos podem ter sido primeiramente vistos na Caldéia, Egito ou Núbia. A maioria das lendas designa os ciganos como ferreiros em várias técnicas, com trabalhadores do aço, do bronze, ouro e metais preciosos. Narrações tradicionais mencionam Tubal-Cain com ancestral bíblico de todos trabalhadores em cobre e ferro (ver nota 2). Há várias estórias concernentes à crucificação; primeiro, referem à confecção de pregos e que os Sinti (ciganos) que vieram para Caldéia, oriundos da Índia, eram técnicos com o cinzel. Que os ciganos que se dizem emigrados em direção oposta trouxeram do interior do mundo ‘Pelasgian’ (pelásgico) que é antiga Grécia, o trabalho em ferro, bronze e ouro... Aqui introduziremos outra afirmação mítica emprestada de Homero: Hephaistos (Vulcan) foi um dia lançado pra baixo (Terra) por seu pai Zeus que estava zangado com ele. ‘Durante um dia inteiro, disse Vulcano, Eu rodopiei nos ventos e, quando o sol baixou, estava abatido na ilha de Lemnos: Lá o Sinti levantou-me... ’ sem forçar a conexão entre Tubal-Cain e Vulcano –– as palavras parecem ter a mesma etimologia –– veremos que um dos principais grupos de ciganos europeus os Kalderash são ferreiros, que trabalham em vários metais. (Idem, ibidem, p. 13).


Isto nos leva a juntar a matéria de origem dos ciganos e seu aparecimento na Europa e a forja (cujo termo, aqui, inclui ‘ferraria’). Após seu descobrimento, a arte de metalurgia foi assimilada como ocupação do demônio, e daqueles ‘possuídos por demônios’. O homem capaz de fazer fagulhas e clarões de fogo, soprar foles e dar pancadas na bigorna, parece em primeiro lugar dotado de poderes mágicos, e posto em regiões nas quais o seu trabalho conjura regiões infernais. O número de lendas relativas a este assunto impressiona. E se somos ainda ignorantes de como a arte de forjaria apareceu na Europa, nós, no mínimo sabemos como foi praticada na antiga Ásia, particularmente na Índia. A maior parte foi reservada aos indivíduos vivendo às margens da sociedade, nômades e párias, ambos eram temidos e desprezados. Na Índia e em todos os lugares, uma mitologia os liga aos trabalhadores de ferro e de várias categorias de gigantes e demônios. Eles são inimigos dos deuses... (Idem, ibidem, p. 13).


II) HEINRICH M. G. GRELLMANN

Um autor, alemão, famoso e erudito, Grellmann ao que parece, detestava cigano, escreveu o livro Dissertation on the Gypsies (1873), onde nos fala da profissão dos nômades, ressaltando:


(Metais) preto e branco são o comércio mais usual dos ciganos ferreiros. Na Espanha poucos têm negócios regulares, mas alguns são ferreiros, ao contrário dos da Hungria onde esse comércio é muito comum entre eles. Há um provérbio que diz: Muitos ciganos, muitos ferreiros. O mesmo pode ser dizer na Transilvânia, Valáquia, Moldávia, Turquia e Europa. Os ciganos trabalhadores do ferro são muito numerosos em todos esses países. Esta ocupação parece ter sido a favorita entre eles desde tempos imemoriais. (Grellmann, p. 28).


III) GEORGE BORROW

Um livro, do sábio George Borrow (o poliglota que falava mais de 100 idiomas), in Lavengro (o mestre das palavras) feito em 1851, nos dá interessante diálogo entre um cigano e um górgio (não-cigano):

–– Então você é chamado Rei dos ciganos?

–– Sim, sim, Romani Kral

–– Há outros reis?

–– Alguns se intitulam, mas o verdadeiro Faraó é Petulengro (ferreiro).

–– O Faraó faz ferraduras?

–– Foi o primeiro que fez, irmão.

–– Faraó mora no Egito?

–– Sim, uma vez, irmão.

–– Então o deixou?

–– Meus pais deixaram, irmão.

(Borrow, p. 111).


Neste diálogo, o autor nos ensina que os ciganos vieram do Egito tinham rei, o Faraó, e eram ferreiros (petulengro, na língua romani). Parece, pois, que não há qualquer dúvida que os ciganos passaram e ficaram no Egito por séculos. Não é à toa que se tornaram gypsies, uma aliteração da palavra Egito para o inglês.


IV) ANGUS FRASER

In Angus Fraser, História do povo cigano, pinçamos:

Alexandre, conde Palatino do Reno, descreveu um Monte, perto de Modon, chamado monte Gype que em 1495 tinha cerca de 200 tendas habitadas por ciganos: “Alguns chamam este monte e seus pertences Pequeno Egito” O relato de Arnold von Harff, de Colônia, redigido em 1497, é o mais completo:


Item, fomos até aos arredores, onde moram muitos pobres negros nus em casinhas com telhado de canas, umas trezentas famílias; são chamados Ciganos [Suyginer]; nós chamamos-lhe heréus do Egito quando viajam por estas terras. Essa gente dedica-se a todo tipo de ofícios, tais como fazer, remendar sapatos e também ao de ferreiro, que era muito estranho de se ver, pois, a bigorna estava assente no chão e o homem sentado a ela como alfaiates neste país. Junto dele, também no chão sentava-se a mulher, ficando o fogo entre eles. Junto a ambos havia dois pequenos sacos de couro, como gaitas de foles, meio enterrados no chão junto à fogueira. Enquanto fiava, a mulher levantava de vez em quando um dos sacos do chão e carregava nele para baixo. Isto obrigava o ar a penetrar no fogo pela terra para o homem poder trabalhar. Item, esta gente vem de uma terra camada Gyppe, que fica a cerca de quarenta milhas da cidade de Modon. Este distrito foi tomado pelo Imperador turco nos últimos sessenta anos, mas alguns senhores e condes não quiseram servir às ordens do Imperador turco e fugiram para nosso país, para Roma, para o nosso Santo Padre, o Papa, para que lhes desse consolo e auxílio... (Fraser, p. 58).


V)  ELWOOD TRIGG

Não resistimos ao desejo de traduzir pequeno parágrafo de Gypsy Demons & Divinities: 

Por muitos anos se fez estardalhaço e especulação à cerca de quando, pela primeira vez, os ciganos fizeram contato com a cristandade. Faz sentido acreditar que os ciganos podem ter vivido no Oriente Próximo(4) por bem mais de 200 anos. Se assim é, isto sugeriria que os ciganos puderam entrar em contato com a igreja nascente. Especulando um pouco mais, sugere-se que os ciganos desde os tempos de Cristo tendiam monopolizar a caldeiraria no Oriente Próximo e é possível que o caldeireiro, em Troas(5), do qual falou São Paulo tão mal, era nada mais nada menos que um cigano. “Alexandre, o latoeiro, tem-me feito muitos males: O Senhor lhe pagará segundo as suas obras. 2Tim 4,14.” (Elwood B. Trigg, p.212).


    • Seriam então ciganos os denominados chalibes(6) que nos ensinaram a arte metalúrgica? Guimarães Rosa, no livro Tutaméia, no conto O outro e o outro, p.105, fala do cigano Prebixim assim: “Tampouco forjicava chaleiras e tachos, qual o cigano Rulu, que em canto abrigado martelava no metalurgir”.


    • Em Portugal, dedicavam-se a trabalhar o ferro e o cobre. (In ciganos de Manuel Costa).


    • E nunca é demais lembrar que muitos engenhos de cana de açúcar, nos velhos tempos coloniais, no Brasil, funcionavam graças aos espertos ciganos em consertar tachos e alambiques.


    • A. da Silva Mello, médico, escritor, membro da ABL, no livro A superioridade homem tropical à p. 147, diz: “Já em tempos pré-históricos, eles se ocuparam da fabricação e venda de objetos de bronze pela Europa, sendo a sua tendência maior, até hoje, para esse mesmo comércio, pois se apresentam como consertadores de panelas e outros objetos de metal, sobretudo doméstico, culinário”. 


    • Chal era chamado o local onde os ciganos moravam, na periferia dos povoados onde hoje está a Armênia. Podemos admitir, então, que quem morava em CHAL era chalibe.


O trecho em sequência é pinçado do livro Os ciganos da estrela:

–– Ali está o lar dos ciganos, Fedar. Há eras atrás, mais anos do que partículas de poeira há nas estradas, viemos do céu em vardos (carroças) de ferro. E aqui encontramos os górgios, (não ciganos) que não conheciam o ferro, nem o fogo, nem a roda, nem coisa alguma de utilidade. Tinham dedos como os nossos e aprenderam lentamente, sempre fazendo coisas novas e maravilhosas. Foi quando construíram o mundo. E os ciganos tornaram-se latoeiros (Gresham, p. 28).


Na Revista de Obras Públicas, Madri, 1853, lemos: 

Os métodos indianos de trabalhar o ferro e o aço parecem ter sido introduzidos na Europa, na Idade Média pelas tribos boêmias(7) originárias, ao que parece da Índia. Outra terra clássica da siderurgia é a Armênia, o país dos Chalibes (grifamos), de onde os reis da Assíria apanhavam o ferro a título de tributo. Os Chalibes eram vistos pelos gregos como os inventores do ferro e seu nome servia para designar o aço. (ROP, p. 461).


Esta mesma Revista (ROP) supramencionada, nos indica que descobrimentos arqueológicos provam, cabalmente, a antiguidade do ferro, quando nos diz que aos pés de uma das esfinges de Carnac uma foice de ferro foi encontrada e há um padrão de arte de um guerreiro de época antiquíssima. Em 1837 foi encontrado na grande pirâmide um fragmento de ferro com a idade aproximada de 5000 anos. Nesta peça há um pouco de níquel e contém carbono em combinação e que não se pode atribuir origem meteórica a esta peça. Ainda no Britsh Museum há um pedaço de ferro oxidado encontrado envolvido por tela, um espelho e utilidades de bronze com 3000 a 3300 anos antes da nossa Era. (ROP p. 461).


Piaskowiski sugere que os instrumentos mais antigos, considerados até agora, pelos historiadores da metalurgia, como resultados de meteoritos foram, na verdade, produzidos do ferro fundido, vindo do minério de ferro, em torno de 2000 a 3000 anos a. C. pela tribo dos Chalibes. (HSM, Chalybean Steel, p. 6).


Está na Bíblia: Sabe que fui eu quem criou o ferreiro que sopra as brasas no fogo e tira delas o instrumento para seu uso... Is 54,16


Finalmente, encerramos este trabalho dizendo que é plausível que os chalibes fossem ciganos oriundos do Egito, que para eles é CHAL. Inserimos aqui, texto, em inglês, de autor anônimo, mas que muitos outros expoentes da ciganologia apoiam: 

Who are you and whence do you come? Why have you forgotten yourself? Oh, 

my darling!

These lice-ridden gorgios gave you dirty and false names as Lubni and Mugni, 

Xorasani and Osmani,

But you are Mother India’s forgotten child Ramni, now called Romni.

In fact you are the flowing Ganges water mixed with the waters of the river Nile, 

Euphrates and Danub.


[Quem é você, de onde você veio? Por que se esqueceu de si mesmo? Ó meu bem!

Aqueles gorgios (não ciganos) piolhentos lhes deram nomes falsos como Lubni,

Mugni, Xorasani e Osmani,

Mas você é filho esquecido da mãe Índia, chamado Ramni, agora Roma.

De fato, você flui do Ganges, misturado com as águas dos rios Nilo, Eufrates e 

Danúbio.]

NOTAS


1. Alguns estudiosos buscam na Bíblia uma origem para os ciganos. Segundo uma lenda bastante conhecida, eles foram condenados à peregrinação por terem roubado um dos quatro pregos da cruz antes da crucificação de Jesus. Outra versão já diz que os ciganos foram os responsáveis pela fabricação dos pregos para a crucificação.

2. Porque OG, rei de Basan, era o único que tinha ficado da estirpe dos gigantes. Em Rabat, cidade dos filhos de Amon se mostra o seu leito de ferro... (Dt 3,11). Está ainda na Bíblia que Sela, mulher de Lamec pariu três filhos: Jabel, que foi o pai dos pastores e dos que habitam em tendas; Jubal, pai dos que tocam cítara e órgão; Tubal-cain, que foi trabalhador de martelo, e hábil em obras de bronze e de ferro. Gn 4, 17-22. Também em outros capítulos e versículos como: Ex XX, 25; Dt XXVII; Js VI, 24 etc.

3. Relativo a ou indivíduo dos Pelasgos, denominação dada pelos gregos antigos ao povo 

pré-helênico que teria ocupado a Grécia e a Itália antes do s. XII a.C. (Houaiss).

4. O Oriente Próximo ou Próximo Oriente compreende a região da Ásia próxima ao mar Mediterrâneo, a oeste do rio Eufrates, incluindo: Síria, Líbano, Israel, Palestina e Iraque. In Wikippedia.

5. Nome de uma região na parte noroeste da Anatólia.

6. O verdadeiro nascimento da metalurgia do ferro pode ser localizado na costa meridional do mar Negro, onde um povo misterioso, os Chalibes, no começo do século XVII a.C. sabia extrair o ferro do minério e, possivelmente fabricar aço. Vestígios de fornalhas, facas de aço e instrumentos rudimentares para a agricultura foram descobertos na Armênia onde os Chalibes se tinham fixado. Foi deles, sem dúvida, que o império dos Hititas herdou o conhecimento da elaboração do aço, tornado-se a maior potência militar da época, o que lhe permitiu disputar vitoriosamente a supremacia na Ásia Menor à Babilônia, à Assíria e ao Egito [....]. A metalurgia do ferro difundiu-se depois no Egito, na Grécia, na Mesopotâmia e nos Bálcãs até chegar à Europa Ocidental através da bacia do Danúbio e pelo mar Mediterrâneo. (In apostilha Manual de Siderurgia, do prof. Alfredo de Oliveira Pereira e do engenheiro Marcel Louis Edouard Caron ─ cortesia do prof. Ronaldo Gori).

7. Os ciganos tanto se envolvem com metais que muitos grupos, ou subgrupos, têm seus nomes derivados dessas ocupações: Kalderash > de Caldeireiro; Kazandjia > Caldeireiro; Zatlari > garimpeiros; Aurari > garimpeiros do ouro; Meshteri Lacatuschi > serralheiro; Costorari > funileiro, latoeiro.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BORROW, George. Lavengro. London: Thomas Nelson and Sons, s.d.

CLÉBERT, Jean-Paul. The Gypsies. London: Vista Books, 1963.

ELIADE, Mircel. Ferreiros e alquimistas. Paris: Flamarion, 1956; Madri: Aliança Editorial, 1983; Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.

FRASER, Angus. História do povo cigano. Lisboa: Editorial Teorema, 1997.

GIFFONI, Gerardo C. A divertida história dos metais. Volta Redonda: Ed. do autor, 2003.

GORI, Ronaldo. Alto-forno. (Apostilha). Volta Redonda: obra do autor. 

GRELLMANN, Heinrich Moritz G. Dissertation on the Gypsies (ed. fac-simile). London: Elibron Classics, 1787.

GRESHAM, William Lindsay. Os ciganos da estrela. São Paulo: GRD Editora, 1989.

HMS News, Historical Metalllurgy Society, “Summer 2000, n. 45”, Chalibes.

ISABEL, Fonseca. Enterrem-me em pé a longa viagem dos ciganos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

MELLO, A. da Silva. A superioridade do homem tropical. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

PIASKOWISKI, Jerzy. “Archeometallurgy”. In “HMS News, Historical Metallurgy Society”, 45, Summer 2000 Forthcoming events, “Chalybean Steel ─ ancient high-nickel iron, usually regarded as Meteoritic”. 

PEREIRA, Alfredo de Oliveira e Caron, Marcel Louis E. In Manual de siderurgia (apostilha).

ROSA, João Guimarães. Tutaméia; Terceiras estórias: Faraó e a água do rio; O outro ou o outro; Zingaresca (ficção), 3a ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1969. 

“REVISTA DE OBRAS PÚBLICAS” (ROP), Madri: 1853, O ferro, p.461.

TRIGG, Elwood B. Gypsy & Demons Divinities. New Jersey: Citadel Press, 1973.

Comentários

  1. Poucos entendem tanto de forjas e ciganos como Assede Paiva! Seu livro "Brumas da História" é um marco importante para esclarecimentos sobre o povo cigano. Sua trajetória na CSN fala por si! Parabéns Sr. Assede!

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