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LUDOPÉDIO
LUDOPÉDIO
Asséde Paiva
...E havia luz e trevas. Lux e Lúmen, mestres de luz, em evento atemporal, agrupam, em campo gravitacional, partículas elementares, em forma de esfera, a que chamam bola e a chutam pelo espaço-tempo. Quando ela passa em uma área retangular em plano limitado por balizas e trave, é gol. Heureca, evoé!
Eles foram a Átomo, o que reina sobre coisas visíveis e invisíveis.
— Pai, inventamos o LUDOPÉDIO!
E bilhões de anos se passam: há pulsares, quasares, paradoxos, fusões, fissões acontecendo, enquanto o universo eclode em metamorfoses bizarras, caóticas, segundo o postulado: “Nada se perde, nada se cria; tudo se transforma”.
Rei Átomo medita, cofia o cavanhaque, pigarreia:
— Genial ideia, mas a palavra é feia! Que tal balípodo ou pebol? Hum-hum, estranhos... sugiro “football” (inspirado em Álbion), nacionalizo o termo para futebol, conforme o gênio da língua. Há invejosos por aí conjurando para proclamar República, regime presidencialista e sufrágio universal. A monarquia é firme, o gentio me ama, eu sou rei. Convidem Cloro, Flúor, Carbono, o trio CFC, para jogar; cuidado! eles interagem, fazem buracos na camada de ozônio, mas eu sou, desde que o mundo é mundo, me rearranjo. Vou criar no organograma do reino o cargo de chefe da Fundação Orientada a Módulos Esportivos (FOME e designar Argentino Pratis para a chefia.
Futebol, traço de união, sucesso no Planeta Azul. Todos se encantam, crianças, moços, moças jogam na meninice e na mocidade; os de talento, na maturidade, mantêm a forma no campinho dos seniores: — Mente sã em corpo são — é a lei. O país é denominado por dramaturgo famoso, pátria de chuteiras. Brotam equipes de várzea, e em cidades realizam-se campeonatos; são campeões do mundo, com o guarda-chuva da Fundação citada, e beneplácito d’El-rei Átomo, o indivisível; assim prolatou Demócrito, filósofo grego. Controvérsias surgiriam, cientistas no futuro apontariam os trigêmeos Elétron, Próton e Nêutron e, seguiria a nova linhagem dos férmions e bósons: Bóson de Higgs (sutil partícula primordial), Múon, Píon, Glúon e tantos outros.
Diante da incontestável adoção do futebol, o soberano edita Bando, declarando este esporte patrimônio da nação. Radicais livres, vão pra cadeia porque ferrunchos, dizem ser pão e circo, maquiavelismo dos monarquistas; estes retrucam que promovem o bem comum. Súditos nobres e plebeus relaxam na alegria, futebol se torna referência nacional. Vige o ciclo da bola. Manuscritos registraram, no espelho distante da história, a saga de outros ciclos que se foram e trouxeram riqueza e poder para poucos. O monarca decidiu realizar um clássico das multidões, nunca visto na história do reino encantado; jogo relâmpago, vapt-vupt, em estádio monumental, com atletas bons de bola, técnica aprimorada; craques advindos das unidades de medidas físicas, contra elementos da tabela periódica. Falta verba, não importa? Sem problemas: procrastinaram-se obras essenciais, remanejaram-se recursos. O supremo mandatário repassou $$$ (milhões) a fundo perdido, para o desenvolvimento esportivo; criou na estrutura orgânica o cargo de Adjunto Financeiro, subordinado a Argentino Pratis, que implementou sistemas de apostas, vendeu suvenires, direitos de imagem, cobrou ingressos antecipados. Pacotes e malas de cédulas foram entesourados; “uni duni tê [....] o escolhido foi você”, há rumores, ti-ti-ti, diz que diz, ocorria desvio ético. Onde há fumaça...
O hebdomadário Horus, de Argos Panoptes, o que tudo vê, acusou a entourage ao pé do trono, de desvio ético. A mídia exigiu providência. Havia revolta no ar.
O rei convocou Pratis para explicações. O subalterno enfático: “Eu sou probo, probo, probo” e constituiu o adv. Avogrado para defendê-lo. O causídico mostrou cifras, saldo orçamentário, faturas, recibos, fluxo de caixa e borderô. O monarca nada entendeu, meneou a cabeça, ambíguo. “Pode ser sim, pode ser não, talvez... Sou rei, sou rei. Pratis é alpaca... Ai se pisar na bola”.
E criou Grupo de Trabalho (GT), composto por Cobre, Zinco, Alumínio e Lítio (uma pilha que só relaxa na bateria de Os eletrolíticos), para investigarem se houve mão do gato. Membros do GT viajam, inquirem, relatam ser denúncia inepta, extravagante, sem base de indivíduo mal-intencionado. Ipso facto, a polícia de Pratis procurou Argos, o panfletista, que manteve suas catilinárias, afinal, é radical livre.
Carbono (C), foi indigitado, sofreu enorme pressão, cristalizou-se em forma alotrópica de diamante negro; melhor assim, valorizou-se, e está por aí como adorno em cabeça coroada, ou é apelido do craque criador da bicicleta, no futebol de um país chamado Brasil. Carbono, quando joga, é duro como Carborundum, a escarificar canelas adversárias, com o parceiro Silício. No íntimo, Carbono prefere fazer datação em fóssil; nesse caso, na metamorfose C-14.
“C está metido em quase tudo”, pensa o rei.
Quiloton e Siemens não jogam, são cartolas; nos bastidores, tramam, clamam por mordomias. Assumiram cargos no Centro de Apoio às Obras Sociais (CAOS), eufemismo para camuflar o verdadeiro objetivo: Projeto Ultrassecreto “A/tômico” (PUA).
Indiferentes aos desencontros extracampo da alta administração, os técnicos convocaram os jogadores. Químicos da velha-guarda ignoraram o apelo. Para as vagas dos desertores, o técnico chamou reforço de outras áreas da ciência. Enxertos completaram os onze jogadores. A equipe mista recebeu nome antiquado de Biochímico Football Club. “Graphia anachronica e anglófila” tem um quê de nobre.
Químicos titulares: Tântalo, Angstrom, Níquel, o líder ou capitão; Ácido Desoxirribonucleico (ADN); Aurum, para os amigos Au; o explosivo Trinitrotolueno (TNT); Hidrogênio, o primeiro entre seus pares; Promécio, Polônio, Estrôncio e Térbio. Reservas: Césio, Cobalto, Germânio e Lutécio. Comissão técnica: treinador é Mercúrio (Hg, para fãs) quer que lhe chamem de Azoto; Mercuriocromo, massagista. O médico, Sódio, está sempre junto a Cloro, o roupeiro. Ampere, traidor, passa aos Químicos informações secretas, importantes sobre estratégia e táticas adotadas pelos Físicos. Ácido Sulfúrico, o alquímico Vitríolo é dispensado por ser desagregador.
Físicos titulares: Mol, Radiano (Rad), Newton, Hertz, Pascal, Lúmen, Volt, Joule, Kelvin, Ohm e Watt. Reservas: Weber, Henry, Tesla e Celsius. Seleção de primeira água. O treinador é Farad. Doutor Maxwell substitui Dina, doente; Torricelli (Torr) é massagista e Sievert, o roupeiro. Erg, fraco, fraco, de dar dó, pede dispensa. Coulomb, curvou-se sob carga elétrica, e chefiou a delegação dos Físicos. Becquerel é olheiro, porém, ama Plumbagina; juntos, saem a grafitar. Os gandulas, são Nó e Mach.
O equilíbrio físico-químico é notável, prenúncio de jogo disputadíssimo.
Os times estavam prontos para o embate. Na boca do túnel, os, jogadores, ao sinal esperado, entraram em campo, com mascotes ao lado. Atletas cantavam ou fingiam cantar o Hino Nacional. Mascavam chicletes e posavam para a posteridade. Futuramente, estarão no hall de honra. O árbitro chama os capitães para cara ou coroa. Mol opta pelo lado favorável ao seu time: costas para o sol. Jogadores rivais se cumprimentam, atendem a entrevistadores, posicionam-se em campo, atentos, eretos, imóveis, aguardando o início do jogo. A arbitragem, imparcial é requisitada da Geometria: Triângulo, Retângulo e Quadrado. O auxiliar é um dos Catetos, irmão de Hipotenusa. O verborreico radialista iniciou a transmissão. Ele se autodenominava comunicador (antigamente locutor ou “speaker”), é o famoso Rádio, a irradiar de norte a sul, de leste a oeste, na crista das ondas hertzianas.
“Serei olhos e ouvidos dos radiouvintes. Infinitas emoções nos aguardam! Nas asas da imaginação, este evento é singular e pode ser visto no micro e no macrocosmo, tanto faz. Físicos de calção branco, camisa verde, trazem ao peito a letra “F”. Químicos, alvinegros, têm monograma “CH” dourado, na lista preta da camisa. A dupla Ósmio/Irídio avaliará se o juiz tem norte ou se está perdido. Há eletricidade no ar. A torcida expõe mensagens de apoio, assobia, brande bandeiras, agita flâmulas, solta fogos de artifício. Chamusco de pólvora agride narizes; a fumaça toma conta do estádio, o qual ondula com a ola; sem perigo, palavra de Richter. Torcedores dos Químicos, em histeria e frenesi quase hipnótico ululam: ahá-uhu-tererê, hip-hip-hip, hurra! O juiz, com estilo altaneiro, deu panorâmica no campo, ajustou o cronômetro num braço, e relógio no outro. O amistoso começou à megavelocidade, todos atacam ou se defendem lembrando o carrossel, ou laranja-mecânica: “os batavos”.
A histórica partida foi cravada no inconsciente coletivo dos nativos. Os súditos mais antigos batem no peito: “Acreditem, eu estava lá!” Há registro da peleja nos incunábulos do reino, os quais são lidos e cantados em prosa e verso, de pai para filho, ao escoar dos séculos: a patada atômica de Hidrogênio; raios de Volt, em curto-circuito, jogando contra a própria meta; o iluminamento do estádio pelo arco voltaico, decorrente da descarga de Volt. “Bravo! bravo!” aplausos da galera. Notável acontecimento: Sódio é tão próximo a Cloro que se transmutaram em estátua de sal; Aurum amarelou. Vaiado foi apodado ormolu e ouropel. Ofensa grave, pois era ouro maciço. Ocorreu falha gritante do árbitro, torcedores xingaram a mãe de sua excelência... e valeu o antijogo (sola, cotovelada, tesoura-voadora); também houve belos voleios, pênalti desperdiçado, gol olímpico, passe de letra, canetada. Eis o futebol arte & manha; óóóóóó, de alívio, ou úúúúúú, vaiavam arquibaldos e geraldinos, a cada gol perdido pelo adversário.
Desespero de Hg, incitando Promécio a passar a redonda ao Au: “Ao Au, ao Au, idiota”!
Técnicos ensandecidos, porque seus comandados desobedeciam às ordens.
Torcedores dos Químicos não cessavam de incentivar: é big, é big, é big-big-big, rá, ti, bum, QUI-QUI-QUI!
Torcedores dos Físicos retrucavam: o Rad e o Newton, olelé, olalá! resolveram combinar, olelé, olalá! não deixar bola passar, olelé, olalá, para os Físicos ganharem!
Acabou o jogo! O juiz o encerrou no primeiro tempo, valendo por dois tempos. No jogo ultrarrápido, tudo acontece, o tempo encolhe. Um a um é bom resultado, segundo ex-craque, ex-treinador, retranqueiro, professor Z-Gallium.
Íons, cátions e ânions, se desentenderam; deu-se uma briga geral na arquibancada. Lamentável mancha para o futebol. A polícia distribuiu bordoada, equânime.
Caríssimos ouvintes, boa-noite de Rádio. Vou medir minha radioatividade com Sievert. Contaminei Irídio, arruinei sua carreira de caneta-tinteiro.
Celebração, é noite de são João. Lux ilumina a cena com cem velas. As jovens: Caloria, Bária, Atmosfera, Candela e Dioptria brincam de roda; Candela está no centro. Elas parafraseiam parlendas:
Senhora bela Candela / Com quem você quer casar? /Se é com o filho de Ohm / Ou com o filho de Bar. / Não quero nenhum dos dois / Pois eles não são pra mim, / Meço fonte luminosa / Querendo brilhar sem fim.
Sou de fóton, fóton, fóton / De marré, marré, marré,
E de quanta, quanta, quanta / De marré deci. //
Césio tem mortal palor; foge e sofre mutação isotópica, é Cs-133, vai pro espaço cronometrar o tempo no relógio atômico. Magnésio registra a festa folclórica: clique, “flash”, clique, “flash”; daí, cisma que é roda, se liga a Alumínio, saem rodando estrada afora, cumprindo o destino das rodas. Sua majestade, filhos e cortesãos participam eufóricos. Há promessa de mais favores para os próximos ao trono. Palmas dos áulicos; Argentino Pratis lidera a quadrilha. TNT se controla para não explodir, ele sabe os descaminhos do reino. Enxofre está só, fogem dele, pois, tresanda ovo choco e desperta nossos profundos terrores do inferno. Hélio, Argônio e Xenônio, nobres de berço, se recusam a participar da festa junina, sobem ao céu plúmbeo e desaparecem em buraco negro; Mercúrio esquenta, quebra a pipeta, volatiliza-se ao calor; “kkkkk”, risos de Potássio; Ouro ou Au pede bebida de cor amarela, dão-lhe água-régia, dissolve-se e vai pra crisoterapia. Estanho sente o olhar candente de Caloria, se derrete todo. Ósmio transa um marca-passo, se realiza como agulha de toca-discos; Titânio, duríssimo, fala em ser prótese. Fósforo, o pirotécnico, clarifica o ambiente, deixando cheiro característico; encanta-se com Platina, toma chega pra lá, é fósforo riscado. Gray acusa Polônio de ser elemento altamente tóxico; é posto em foguete e se refugia em satélite artificial, encapsulado como gerador termonuclear. Arsênio, Chumbo e Crômio esnobam a festa, compõem a banda Metais Pesados; efluem, poluem terra, mar, ar e ouvidos, porque são metaleiros.
Balões... girândolas estrelejam. Popocar dos foguetes, traques no céu; chuvas de lágrimas de prata. Ao dalalaiar de fogueiras, erguem-se labaredas em convulsões que se enroscam nos troncos, simulando cobras. Guaiús onomatopaicos: bóóó... fiáááu... xxxx, tique-tique, bum, crro-óóó... bóbó, xiin-prrrrr… buuum-buum, buscapé, fssssssss… oi, balão!
Plutonio, putativo, espoleta, soprou no ouvido de Urânio-235 que é hora da grande explosão. Instável, Urânio se impacientou é bomba atômica em progresso... Aborrecido, enlouqueceu: flap-flap-flap, plof-plof, crtx-crtx, jebu, xabu! Não atingiu a massa crítica. Falhou, gorou o projeto: Por que? Por que? ... Ecoa por vilas e veredas, planícies, planaltos e serras no reino.
Aqui, termina a história, / começa a meditação; / se há um país assim, / pode ser grande nação; / só adotar o binômio: / justiça-educação. / Ter como padrão de vida: / verdade e perfeição. //
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Esse conto é fantástico! Uma fábula que todo brasileiro deveria ler!
ResponderExcluirEsse conto é fantástico! Uma fábula que todo(a) brasileiro(a) deveria ler!
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