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CONFITEOR [Eu confesso]

CONFITEOR  [Eu confesso] Asséde Paiva                 Nesta casinha pequenina, em Valadares, eu nasci em 1934 Cada qual no seu canto sofre seu tanto O segredo para lutar e vencer na vida ou na guerra ou na tristeza está no começo de toda a vida, de todo ser. Lutar, lutar, sangrar, mas vencer, vencer e vencer. Às vezes perder, mas viver e viver lutando sempre, sobrevivendo. Desistir nunca! O futuro será sempre um novo recomeço. As adversidades da vida nos ensinarão que a cada luta virá o aperfeiçoamento para uma grande vitória. (Jorge de Lima). “ E disse Deus a Moisés: Eu sou o que sou. ”  (Êxodo 3,14) Se alguém me perguntar: Que és? Direi: não sei! Eu queria pão e não podia comprar, hoje, posso comprar e não posso comer. Algo que escrevi há tempos: um conto? Não. Romance? Nem pensar! São reminiscências e fragmentos da minha vida. Lembranças que trago de minha terra e das gentes que convivi. Nada mirabolante. Na verdade, não tenho muito a...

SEGUNDA CARTA A V***

SEGUNDA CARTA  A V*** 



Não vos lembreis das coisas passadas, nem considereis as antigas. (Isaías 43:18)

 
Feche os olhos… relaxe… recorde… volte muitos anos atrás. Conseguiu? Eras, então, uma menina-moça. O que fui para ti? A brisa que passa? O relâmpago breve no céu? O infinitamente pequeno?... O nada? Mas, para mim, foste tudo: amargura e esperança, sofrimento e ternura, ilusões perdidas… e o grande amor da minha vida.

Parece coisa de louco:
como explicar, na verdade,
que um amor que durou tão pouco
me doa uma eternidade?

Meu nome? Não importa. Quando nos vimos, éramos tão jovens: eu, com dezesseis; tu, com quatorze. Tu, filha de fazendeiros; eu, pobre estudante. Encontramo-nos em J. F., na pensão Agassiz. Lembro-me bem: eu na sacada do terceiro andar, e tu no segundo. Um olhar, um sorriso, e o amor nasceu instantâneo. Apresentaram-nos: eu era colega de teus irmãos. Conversamos, jogamos bisca de três. Namoramos – mas nunca houve o beijo. Ah, como dói essa lembrança!

Visitei tua fazenda, a famosa Fazenda Gália. Escondidos de tua mãe e de teus irmãos, sentamo-nos no baú das lembranças e demo-nos as mãos. Trocamos retratos, juramos amor. Voltei para casa feliz, perdido de paixão.

A desdita veio logo. Combinamos que eu te escreveria, e escrevi: inspirado, ardente, com poesia no coração. Redigi a mais longa e bela carta de amor que jamais poderia escrever. Mandei-a em mãos, por um tropeiro, com a ordem expressa: “Somente a ela”. Mas não foi assim: a carta caiu nas mãos do líder da família – Francesco, o “Chiquito”.

Ele leu, analisou, e não gostou. Um rapaz pobre não poderia amar a irmã rica. Mas, em vez de proibir, preferiu a crueldade: distorceu minhas palavras, envenenou-te com malícia, debochou. Como conseguiu convencer-te? Só Deus e teus irmãos sabem. Mas ele conseguiu. E o seu amor por mim virou ódio. Soube disso pelas suas primas: Ivani*** e  Erond***. 

Foi como se me atravessassem o peito com punhal afiado.
Assim, tu me mataste – este é o termo, porque o amor é tormento, mas a falta de amor é morte.

O maior sentimento de repulsa senti, quando resolvi ir à Fazenda Gália, na vã esperança de um reatamento. Descobri não ser bem-vindo: a família não me recebeu. Então, montei meu cavalo e parti com a morte na alma.

Senti o peso do mundo sobre meus ombros. Aquele alpendre vazio não era apenas o da Fazenda Gália — era o do destino, que se cerrava diante de mim com estrondo silencioso. O vento soprava entre arbustos, levando consigo o som distante de latidos de cães, no terreiro, e o mugido dos bois no curral. Imaginei risos de deboche dos familiares de V***, na cozinha. O cavalo pressentia meu desalento. Sofreei a alimária. Assim, permaneci longo tempo imóvel, fitando o casarão ao longe, esperando, em vão, que alguma janela se abrisse, e uma voz me chamasse de volta. Nada. Apenas o eco do passado respondia, lembrando-me que o amor, quando não acolhido, torna-se exílio. 

Amargurado, esmagado, tentei reaproximar-me varias vezes, em vão. Desprezo, silêncio e humilhação sempre de soslaio. Hoje, pergunto-me se lutei o bastante. Fugi, e pus enorme distância entre nós, mas não a esqueci. Nas vitórias e nas derrotas, no lazer e na solidão, teu nome sempre vinha aos meus lábios, sem que eu ousasse pronunciá-lo. Eras a luz da minha vida. E, em busca da luz, não vivi: apenas passei pela vida, com a nau sem rumo, sem norte.

O tempo voou. Décadas se foram. Muitas luas, muitos sóis...Tua imagem fez do meu coração morada. As ondas da vida me levaram de volta a terra natal. Precisava rever-te. Que loucura! Procurei, perguntei, insisti. Consegui saber da tua fazendinha Vista Alegre. Voltamos a nos rever numa cerimônia religiosa. Conversamos trivialidades. Mas, dentro de mim a ternura voltou inteira, avassaladora, como se nada houvesse passado no tempo congelado. Tive vontade de abraçar-te, não o fiz. Senti, porém, que teu ódio por mim, esvanecera.

Mas era tarde. Tu pertencias a outro. Estavas casada. Não havia lugar para mim em tua vida. Não importa! Quem esperou milhares de dias, poderá esperar outros mil. Estou certo de que no derradeiro instante de minha existência, teu nome estará nos meus lábios e tua imagem em meu coração.

Tu me deves reparação – assim me grita a alma. Cedo ou tarde, serei recompensado. Aqui, no além, ou numa nova vida. Enfim, onde o Senhor do Universo permitir.

Se renascer é preciso, que assim seja: quero, desejo, exijo outra oportunidade. Preciso desesperadamente de ti. Um dia ficaremos juntos: eu, teu; tu, minha. Um grande amor acontecerá.

Encontrar-te-ei de novo, / não sei onde, / não sei quando,
mas sei que nos veremos / numa noite estrelada.

Assina: aquele que fez da tristeza sua morada – e do amor, a razão de existir.

Poema – Segunda Carta a V***

Feche os olhos, retorne ao passado,
No jardim da memória me vê?
Fui teu sopro mais breve e calado,
Foste tudo que eu quis e não sei.

Menina-moça, lembrança ferida,
Eu, estudante; tu, flor no pomar.
Breve encontro, promessa perdida,
Tanto amor que não pôde ficar.

Na pensão olhares se acharam,
Num sorriso nasceu devoção.
Nossas mãos, então, se tocaram,
Mas sem beijo ficou a paixão.

Enviei-te a mais bela missiva,
Por tropeiro, segredo e calor.
Mas “Chiquito”, com língua assertiva,
Transformou o poema em rancor.

Fui punido sem ter cometido
Outro crime senão te querer.
Com punhal em meu peito ferido,
Teu desprezo ensinou-me a morrer.

Fazenda Gália, cenário sombrio,
Meu cavalo, meu pranto, a correr.
Tua ausência tornou-me vazio,
Sem teu Norte aprendi a sofrer.

Décadas passam, a vida é tormenta,
Mas teu nome não cessa de vir.
Tua luz me ofusca e atormenta,
Sou nau sem porto, sem atracar, a fugir.

Quando te encontrei adiante,
Vi teu ódio sumir no olhar.
Mas eras de outro, tão distante,
Meu amor não podia ficar.

Ainda espero – é minha sentença,
Pois quem ama não sabe findar.
Se não nesta vida, noutra existência,
Hei de um dia em teus braços chegar.

Encontrar-te-ei no céu, ou na estrada,
Não sei onde, nem sei quando será.
Mas será numa noite estrelada,
Que meu nome teu lábio dirá.
(Chat GPT)

Comentários

  1. Ganhou primeiro lugar, entre 4000 concorrentes, no Concurso cartas de amor na rádio bandeirantes/Rio

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