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OS OLHOS VELADOS DE AMBRÓSIO
OS OLHOS VELADOS DE AMBRÓSIO
Asséde Paiva
O pássaro-preto canta: Eu bebo, eu bebo; que fica? Que fica?
–– Meninos! Há muito anos em Paula Lima, aquele povoado perto de Juiz de Fora...
Papai e mamãe estavam namorando e fizeram amor no alto daquele coqueiro.
Mamãe botou dois ovinhos, cuida muito bem deles no ninho de gravetos e folhas secas. Ela os aninha sob suas asas, quentinhas, semiabertas e protegidos da chuva.
........................................
E passaram-se dias... nasci com um irmãozinho, menor e fraquinho: Luquinha. Logo quebramos a casquinha dos ovos pulamos peladinhos, de olhos fechados, pescoço fininho, e biquinho bem aberto pedindo comida, porque nascemos com muita fome. Papai foi buscar larvas e minhoquinhas, e mamãe ficou cuidando de nós. Chegou uma mosca atrevida e malvada, distraiu mamãe e depositou ovas em minha cabecinha. Em pouco tempo, nasceram bernes nojentos, um de cada lado. Agora, tenho dois vermes quase do tamanho de minha cabeça. Estou muito feio e tão desprotegido. Aí chegou um menino esperto, serelepe e escutou meu pipilar, subiu na árvore e me pegou. “Coitadinho”, disse pra mim. “Você é filhote de melro, vou te salvar”. Espremeu minha pele fininha pondo os bernes sugadores de minha vida, pra fora, mas levou-me com ele. Que maldade! Fiquei sem papai, mamãe e sem irmãozinho, que foi desprezado e ficou no ninho lá no alto do coqueiro. Fui levado por meu raptor, que me vendeu para outro menino, que me chamou “Ambrósio” em homenagem ao meu raptor. Meu “dono ou tutor” (se é que pássaro tem dono... não pode ser livre), morava em Paula Lima, belo e pacífico povoado. Fui, desde então, bem tratado, amado e alisado. Fiquei muito feliz ao lado do bom menino. Ele comprou uma gaiola de pinho para mim e dela gostei muito, porque nunca voei num céu azul nem embruscado. Todo o dia, ele vinha ele me dar alimento, enquanto minha penugem lentamente transformava-se em lindas penas negras. Ele me chamava: Ambrósio, Ambrósio! nome do meu raptor. Eu corria para as barras da gaiola, e o menino alisava as penas da minha cabeça, eu me deliciava com isto, até fechava os olhos. Um dia, meu amiguinho me contou que estava triste, ia partir para longe, muito longe. Escutei-o, atento. Quem sabe, eu o amava também e lamentava a partida? Suas palavras eram de receio do futuro, ele estava inseguro e angustiado. Ia me deixar sozinho e não estava feliz, por mim e por ele. Falou-me que sua mãe cuidaria de mim e partiu; foi à luta por este mundo de Deus.
Muito tempo passou, cresci, fiquei muito bonito, aprendi a cantar mais ou menos assim: “É do rico ou do pobre! Eu ranco pico e jogo fora!” Eu imitava outros pássaros: rolinha, tico-tico, canário, pintassilgo, que vinham à gaiola comer comigo. Cantei duetos com trinca-ferro, bem-te-vi e tiziu. Imitava também “sô” Nenzinho, do outro lado da rua, quando ele chamava os filhos assobiando: fi-iii-iú-iii! Eu duplicava: fi-iii-iú-iii!
Um dia, a porta da gaiola ficou aberta, aproveitei e fugi. Na verdade, só voei livre pela primeira vez, e fui pousar em bela mangueira, não muito longe, porque minhas asinhas eram fracas eu, passarinho de primeira viagem. Logo, vieram as irmãs de meu dono gritando por mim: –– Ambrósio, Ambrósio, assobiando, chorando, com medo de que eu voasse pra mais longe.
Voltei à prisão, à gaiola, porque ela era meu lar, e eu não sabia o que era liberdade, além dos arames da gaiola. Muitos verões se passaram e muitas luas também. Meu tutor voltou da viagem cabisbaixo, derrotado.
–– Oi, Ambrósio! Senti saudade, amigo do meu coração!
Alisou-me por algum tempo. Fiquei todo arrepiado. A minha alegria era enorme.
Mas meu dono/tutor era aflito, tinha ânsia de partir, vencer na vida, criar sua lenda pessoal. Resolveu iniciar outra aventura e foi embora. Não voltou mais. A mãe dele e irmãs cuidavam de mim.
Elas mudaram para cidade grande, muito longe, onde meu dono trabalhava. Minha gaiola foi bem amarrada, em cima do caminhão e viajamos sem fim... Quando cheguei, estava quase morto de sede. Penso que não foi maldade do motorista, foi ignorância mesmo. Então, reencontrei meu dono: Alegre, cantei e fechei os olhos para receber carinhos, cafunés, arrepiei-me todo.
–– Ambrósio, Ambrósio!
Ele me acariciava com amor. –– Tive tanta saudade.
Meu dono/tutor pensou que deveria ter a própria casa, um lar, família e filhos. Casou-se e teve dois filhotes, como outrora tive. Meu dono/tutor trabalhava demais: dia e noite para o sustento do lar. Só me via vez por outra, principalmente à noite ao limpar a gaiola, pôr água, alpiste e arroz. A vida era dura, muito dura para ele.
Mais alguns invernos se passaram. Havia muitas outras preocupações para todos. Um dia, minha guardiã esqueceu-se de me levar pra dentro de casa à noite. Era inverno e, a noite trouxe frio e vento fortes. Não resisti, aconteceu o pior: tiritei... arrepiei, tentei dormir, tremi, enregelei, e meus olhos negros se fecharam para sempre. Fui para o reino encantado dos pássaros-pretos. Meu amigo nunca me esqueceu...
O melro de penas negras, / posso em penas te igualar.../ Mas tu cantas e não penas / e eu peno e não sei cantar! (Joubert de Araujo Silva).
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Comentários
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Que emocionante! Amei!
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